Sistema monetário global ancorado no dólar está indo pro brejo

Impactos não só para os Americanos, mas para todos os países

Por Ivanir José Bortot

Dívida do Tesouro Americano é de U$ 36 trilhões. O Brasil está com dívida pública de R$ 7,4 bilhões., Ilustração, Edgar Lisboa, com recursos de IA.

O tarifaço de Ronald Trump sobre importações revelou sinais de fragilidades fiscal, da política monetária e balanço de pagamentos dos Estados Unidos. E coisas piores.  O dólar, como porto seguro para investidores privados e poupança de inúmeros países, vem perdendo espaço paro ouro, Euro e outras moedas de países bem estruturados economicamente como Japão e Suíça.

A dívida do Tesouro Americano é de U$ 36 trilhões, bem acima do seu Produto Interno Bruto (PIB) de U$ 27 trilhões. O déficit fiscal atingiu 7% PIB este ano. O orçamento fiscal de 2026 enviado por Trump ao congresso prevê uma corte de US$ 163 bilhões, em relação ao que recebeu de Joe Biden para este ano. São medidas prudenciais e recursos que devem ser destinados ao resgate de parte da dívida do Tesouro Americano. A melhora no lado fiscal deve- se grande parte pela redução das taxas de juros praticadas pelo FED (Banco Central Americano) que hoje está entre 4,25% e 4,5%. E um juro alto para os EUA, que costuma vender seus papéis a taxa zero. Juro que foi fixado nesta para combater uma inflação de 2%. Com o desaquecimento do consumo, em função do impacto das tarifas de   importação de Trump haverá espaço para redução de juros já neste semestre.

O Balanço de pagamentos, que é um espelho do que é apurado no lado fiscal, apresenta um déficit na balança comercial de 3,1% do PIB. O aumento das tarifas tem como foco reduzir este déficit e com isso economizar dólares com aquisição de bens e serviços do exterior e elevar a arrecadação com as receitas das tarifas.  A melhora fiscal e do balanço de pagamentos contribuiria, ainda, para fortalecer o dólar que anda perdendo espaços mundo a fora.  Nos últimos anos, os Bancos Centrais reduziram a participação do dólar em suas reservas de cambio de 71,5% em 2001 para 57,8% em 2024. Ao mesmo tempo passaram a adicionar mais de 1.000 toneladas de ouro as suas reservas por três anos consecutivos, detém o hoje mais de 37,7 mil toneladas de ouro, o que representa cerca de 20% de suas reservas totais.

Dólar perde espaço

O dólar passou a ter protagonismo   mundial, a partir da conferência de Bretton Woods de 1944, antes mesmo do fim da segunda guerra, cujo objetivo era criar um sistema monetário estável. O dólar, vinculado ao ouro a US$ 35 por onça, tornou se o centro deste sistema, proporcionando estabilidade financeira global no pós guerra.  Com o tempo, os aumentos dos déficits fiscais e comerciais, especialmente com a guerra do Vietnam, a base de reservas em ouro dos EUA foram diminuindo. Richard Nixon foi obrigado a abandonar o padrão ouro e deu início ao sistema de câmbio flutuante, e ao domínio absoluto do dólar como moeda de reservas mundial. Com isso, o sistema monetário passou a operar sem uma ancoragem estável.  A recuperação da economia dos aliados europeus e a rápida expansão de suas exportações começaram a surgir as fissuras deste sistema. A partir dos anos 1960, os EUA passaram a aparecer como consumidores e devedores de ultima instancia, enquanto as economias emergentes como Alemanha, França, Japão e China como principais credores.

A cautelosa China, que hoje e o principal alvo de Trump, vem diminuindo suas reservas em dólar. Já foi credora de U$ 1 trilhão dos Estados Unidos e hoje tem reservas de U$ 760 bilhões. Vem reduzindo, também, suas importações e exportações e tentando ocupar espaços de comercio e investimentos em outros países.

Então, leitor, sem mais delongas e ir ao ponto. O que temos pela frente não é apenas uma questão tarifaria onde EUA quer estabelecer uma relação de troca mais favorável para si, mas indícios claros de que o sistema monetário global ancorado no dólar está indo pro brejo com impactos não só para os Americanos, mas todos os países que fizeram suas reservas, e tem compromissos financeiros atrelados a esta moeda, setor público e privado.

No último encontro do Fundo Monetário Internacional (FMI), economistas preocupados com a estabilidade monetária do sistema financeiro internacional iniciaram conversas para criação de uma moeda de reserva internacional emitida por uma instituição supranacional, desvinculada de qualquer nação especifica.

O próprio Secretário do Tesouro Nacional dos Estados Unidos, Scott Bessent, disse em reuniões do FMI que o atual sistema monetário está disfuncional e incapaz de garantir a estabilidade econômica global.

Um processo de negociação de estabilidade de um sistema monetária global em torno de novos fundamentos envolverá critérios de ganhos e perdas para as nações. Os países mais bem estruturados do ponto de vista fiscal, cambial e monetário terão um poder maior para defender seus interesses neste novo sistema. Os Estados Unidos, certamente entram perdendo o posto atual de ser detentor da moeda com maior credibilidade na transação comercial e como reserva de valor.

O Brasil com dívida pública de R$ 7,4 bilhões e déficit nominal, que inclui todos os fiscais e juros da rolagem da dívida, equivalente a 8,5%, e RS 12 trilhões de PIB, também entra fragilizado nas negociações. O real que foi criado com paridade de R$ 1,00 para U$ 1,00 foi sendo corroído pela inflação. Hoje seu poder de compra internacional caiu em 5 vezes. A nossa inserção na economia mundial ficou limitada a algumas comodities, proteínas animais e alguns, setor de aviação.  E verdade que temos algumas empresas brasileiras produzindo no exterior, como JBS, Weg, Minerva, Randon, Marcopolo, Votorantin etc. Os ganhos ajudam fortalecer seus negócios, mas tem pouco impacto na geração de empregos no Brasil e receitas.

A área economia do governo brasileiro parece ignorar a magnitude dos problemas que terá que enfrentar a economia global, onde o tarifaço e apenas a ponta do iceberg.  Um país endividado com moeda sendo corroída pela inflação, câmbio desvalorizado entre neste jogo em desvantagem em relação aqueles que seguem boas governanças de gestão pública.

Só para lembrar, mesmo ainda sem uma noção clara dos impactos da retração da economia mundial, o crescimento projetado do PIB do Brasil de 2026 foi reduzida de 2,3% para 1,6%. Já a projeção para a inflação foi elevada para 5,5%, em 2025, e 4,4%, em 2026. Em ano de eleições a gastança e a regra na tentativa de reeleger o governante a frente do cargo. Dependendo quem ganhar, o ajuste fiscal e um plano de recuperação econômico saudável só vai ocorrer a partir de 2027. Um país parado dois anos é muito tempo, especialmente, diante dos concorrentes que andam aceleradamente em busca dos melhores espaços na corrida da economia mundial.

Repórter Brasília, Edgar Lisboa/ Por Ivanir José Bortot

 

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