“Infelizmente, o Brasil não perde uma oportunidade de perder oportunidades” – irônica frase de Roberto Campos, mas oportuna quando se considera a Lei 13.415/17 do Novo Ensino Médio, implantada em 2022, depois de décadas de muitos embates, uma vez que estávamos oferecendo aos nossos estudantes reconhecidamente o pior Ensino Médio do mundo. É uma boa lei, de vanguarda, que promove uma disrupção no status quo educacional brasileiro, e por amor à brevidade cito apenas três das suas virtudes: 1) ampliação da carga horária em 20% (de 5 para um mínimo de 6 aulas diárias); 2) implantação de uma nova arquitetura curricular, bem mais contemporânea e interdisciplinar, com significativo protagonismo do aluno; 3) maior flexibilidade de escolhas, permitindo que o estudante possa optar entre uma Formação Técnica e Profissional ou o ingresso no Ensino Superior (neste caso, com a opção de priorizar os componentes curriculares de maior interesse para o seu curso de escolha).
A partir de 2022, com o Novo Ensino Médio, houve um bem-vindo despertar, uma mola propulsora, um ecossistema propício para uma oferta mais significativa de matrículas para cursos profissionalizantes. No Paraná, por exemplo, para 2024 cerca de 115 mil novas matrículas estão previstas para a 1ª série do Novo Ensino Médio, das quais pelo menos 30% seguirão a trilha de uma formação técnica. E um levantamento com abrangência nacional, sob encomenda do Todos Pela Educação, demonstrou que 90% dos estudantes do Ensino Médio são favoráveis que nessa etapa seja dada a opção de aprofundamento em uma área – já visando ao mercado de trabalho ou a uma faculdade.
Finalmente, o Brasil passou a contar com um modelo de Ensino Médio que permite à escola equilibrar as competências e habilidades cognitivas com as socioemocionais. Temos ainda uma BNCC (Base Nacional Comum Curricular) aprovada após cerca de 7 anos de consultas públicas e muitos debates entre educadores e estudiosos do tema. Uma BNCC democrática, com diligente elaboração dos Conselhos Estaduais de Educação das 27 unidades federativas e implementação pelas Secretarias de Educação, com difíceis rearranjos de docentes e de gestores e ampla reorganização curricular e física, elevadamente onerosa, pois as Secretarias gastaram aproximadamente 2 bilhões de reais, conforme afirmou Cláudia Costin.
A locomotiva da educação passou a percorrer novos trilhos, agora com nova direção e com propósitos mais instigantes, embora reconhecidamente contivesse algumas avarias. Se apenas ajustes seriam necessários na lei ou em normas infralegais, por que tanta algaravia ao longo de todo o primeiro semestre de 2023, por parte do atual governo, propondo modificações que desfiguravam por completo a Lei 13.415/17, indo além, inclusive, ao propor a sua revogação?
Minha análise pode ser falha ou incompleta, mas, como estive duas vezes em Brasília participando de audiências públicas e reuniões, ouso me posicionar: há sim mise en scéne, jogo político, prevalência de ideologias e de polarizações, pois o atual Ensino Médio foi aprovado no Governo Temer e implementado no Governo Bolsonaro. Ademais, no percurso de 2020 e 2021 eclodiu a pandemia, o que prejudicou o planejamento das ações e, na implantação em 2022, o MEC se caracterizou por inação e ausência de assistência técnica e financeira aos estados, não colocando sequer freios de arrumação nos Itinerários Formativos que ficaram por demais livres, dispersos e, merecidamente, viraram alvo de muitas críticas.
Destarte, o atual governo, ao promover meses de balburdias, gerou incertezas e angústias para 8 milhões de estudantes do Ensino Médio, além de professores, pais, gestores escolares, Secretários de Educação e Conselheiros Estaduais de educação. Nós, brasileiros, somos bons em teorizar melhorias de qualidade na educação, porém medianos, quando não ruins, em implementar as medidas pragmáticas e de gestão, sendo poucas as exceções. Onde o atual governo deveria estar concentrando suas energias, tempos e recursos? Resposta: em capacitação de professores, em capacitação de gestores escolares,como fazem todos os países com bom desempenho nos rankings internacionais.
Neste momento, estamos às vésperas de a Câmara dos Deputados debater o Projeto de Lei (PL) encaminhado pelo MEC sobre a Reforma do Novo Ensino Médio, cujo relator é o Deputado Mendonça Filho, de Pernambuco. Todos os prognósticos indicam que o PL sofrerá alterações, conquanto que mudanças significativas já foram incorporadas neste mesmo PL, fruto de intensas negociações do MEC com os Secretários de Educação. A pergunta mais pungente é por que o governo insiste na volta das 2.400h para a FGB (Formação Geral Básica), que permite um arremedo das mazelas do antigo Ensino Médio, também com 2.400h? Seria fruto das pressões corporativistas de alguns sindicatos de professores, da UNE, de alguns partidos políticos, para os professores manterem a mesma quantidade de aulas de Matemática, Língua Portuguesa, Física, História, Arte, Filosofia, etc.? Se algo se parece com tromba de elefante, grande é a probabilidade de ser mesmo elefante e não uma gazela.
Será um déjà-vu do antigo Ensino Médio com os seus já mencionados componentes curriculares repletos de penduricalhos desmotivantes e desnecessários, que causou um legado trágico quando se consideram os altos índices de reprovação, evasão, desinteresse e baixa retenção cognitiva. O mundo mudou muito nos últimos dez anos e, com ele, também a escola deve melhor equilibrar as competências e habilidades cognitivas e socioemocionais com os avanços das tecnologias educacionais, sendo a mais avassaladora delas a IA (Inteligência Artificial). E, por último, como argumento mais relevante para que o Congresso não aprove as 2.400h destinadas à FGB: promoverá o desestímulo à Educação Profissional, pois não “cabem” nem as 1.000h muito menos as 1.200h dos cursos técnicos preconizados pelo Catálogo Nacional de Cursos.
Não se pode deixar de lembrar a importância de viabilizar e estimular a Educação Profissional, pois ela tem o condão de reduzir a evasão e a reprovação por meio da sedução do ingresso mais rápido ao mercado de trabalho e da consequente monetização para subsistência pessoal e familiar. Como já muito reiterado, infaustamente o Brasil se tornou, na contramão de suas necessidades, um dos países com menor oferta de cursos de Formação Técnica e Profissional (apenas 7% a 11% das matrículas durante a vigência do antigo Ensino Médio). Nos 38 países da OCDE (de alta renda, comprometidos com a democracia e economia de mercado), esse índice variou entre 38% e 72%, sendo, portanto, maior a motivação para imitá-los.
Jacir J. Venturi, membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná, por 48 anos atuou como professor ou diretor do Ensino Médio, de escolas públicas e privadas, e como professor da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo. Autor de livros.