Reality Show ou sessão de tortura? (Umberto de Campos)

Umberto de Campos

Em marketing digital se aprende que uma das melhores formas de vender a própria imagem é criar uma “jornada do herói”.

Mais ou menos o que os diretores de cinema fazem. Um dos exemplos mais claros da jornada do herói é o boxeador que, massacrado pelo adversário, claramente, vai perder a luta por pontos.

Ao final, quase morto, ferido, cambaleante e aparentemente sem forças o herói, num arroubo, junta forças psicológicas inimagináveis, se levanta e bate o adversário com um improvável nocaute.

Comemoração da plateia.

Há algum tempo venho observando as “provas de resistência” impostas a participantes de reality shows.

É claro. Dar a desconhecidos, ou não, a chance de criar a própria “jornada” e se transformar em heróis do público é uma ideia que vende muito.

O problema é que o heroísmo é uma boa medida, quando se precisa dele. Mas obrigar seres humanos normais a realizar coisas estúpidas, contra a própria saúde, não passa de agressão e mau exemplo.

Obrigar competidores a ficar 12 horas ou mais sem fazer xixi é de uma crueldade inimaginável.

A imobilidade pode afetar membros e grupos musculares, além da boa circulação. Afinal de contas os prejuízos aos rins, nessas condições, pode não ser irreversível, mas indiscutivelmente poderá se manifestar em doenças, no decorrer da vida dessa pessoa

Vendidos por milhões de dólares a empresas como a Globo ou Record, os reality shows são populares no mundo inteiro.

A sede do ser humano por fama e dinheiro faz com que “influenciadores” ou subcelebridades, em busca dos famosos “likes”, também inventem os seus realitys…

Fico sabendo que um desconhecido cantor de brega funk (esse nome já não combina, ou combina muito…) Anderson Neiff, no Recife, resolveu promover o seu próprio reality (será que pagou os direitos da Endemol?) e teve a sublime ideia de colocar os participantes com os pés enfiados em bacias com uma mistura gelo e sal grosso.

Ideia dele mesmo. Uma verdadeira ideia de “cientista”. Com “cuidado”, posto que a prova teria sido supervisionada por um bombeiro.

Esse “bombeiro” deveria ser demitido. Os participantes ficaram em pé, com os pés suportando essa mistura de gelo e sal por cerca de 15 minutos. Saíram na maca, com queimaduras de primeiro grau nos pés e possivelmente com a sensação de queimaduras de terceiro grau noscérebros que, realmente, não funcionaram nesse caso.

Um deles teve cianose (colocarção escura provocada pela circulação de sangue não oxigenado) nos dedos dos pés, tendo sido informado que corria o risco até de amputação.

Para tudo é preciso ter limite.

Há um limite para a resiliência humana.

Será que vale a pena criar heróis dessa maneira?

Precisamos de heróis. Muitas vezes eles são necessários. Mas fazer isso de forma artificial eoferecendo riscos desnecessários, com perdão da comparação, beira a bestialidade.

A arte, ainda que popularesca, não precisa disto.

Umberto de Campos é Jornalista, especialista em neuropsicologia.

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