O Valor da Vida (Peniel Pacheco)

Peniel Pacheco/Divulgação

Viver em um mundo polarizado, como o de hoje, onde os pensamentos extremados são elevados até à última potência, torna-se muito difícil argumentar com base no equilíbrio, na sobriedade e na sensatez.
Ao invés da utilização do método indutivo – que se inicia com as observações específicas para elaborar conclusões gerais -; ou do método dedutivo – que começa com os princípios gerais para se chegar a conclusões específicas -, o que se vê é adoção do método impositivo, onde a regra básica é se opor freneticamente a tudo o que o “outro lado” diz, como forma de prevalecer, não sobre o argumento contrário, mas sobre a pessoa e a reputação do oponente. É como se a discordância às ideias tivessem de ser tratadas como ofensa física e moral.
É claro que isso atenta contra a racionalidade e o bom senso, pois, como se sabe, a própria vida humana é um ótimo exemplo do valor da convergência, quando os elementos definidores das características do ser em gestação vão se articulando progressivamente, desde a concepção até a formação do ser em toda a sua plenitude.
Além disto, é preciso lembrar que a vida humana é bem mais do que simplesmente existir no agora. Nossa história de vida é composta por ciclos que agregam experiências e incorporam o antes, o durante e o depois em relação à nossa própria existência. Tudo por causa da nossa herança genética, cultural e espiritual que nos coloca em conexão direta com o passado, com o presente e com o futuro, de tal modo que, mais do que existirmos, é preciso lembrar que coexistimos numa simbiose amalgamada pela solidariedade que envolve a todos sob o sacro manto da humanidade.
É preciso lembrar, ainda, que a vida é mais do que performance! Ela é processo em ação, permeado de interação horizontal e vertical. Ou seja, tem a ver também com a nossa comunhão com o outro e com o Criador e Sua criação.
Significa que o viver abarca início, meio e fim. Nascemos, vivemos e transcendemos. Somos a feitura do ontem e do hoje para nos tornarmos o que seremos amanhã. Desse modo, o valor da vida não está no “onde” ou no “quando”, mas no “como” e no “porque”.
Isto implica reconhecer que o sopro do princípio da vida é tão relevante quanto o suspiro do fim, incluindo entre eles o respirar, o transpirar e o inspirar, de tal modo que a verdadeira vida é o pacote completo, onde cada parte é indispensável para a construção do todo. Logo, não há que se falar apenas na ética que envolve o ser em formação. Para sermos justos, é preciso considerar a ética que envolve a gestante e todas as demais pessoas (independente de quaisquer classificações ou características individuais) como forma de garantir o respeito à vida e à dignidade humanas.
Torna-se indispensável que determinadas questões precisam ser melhor entendidas, em especial o fato do útero materno não poder ser visto como mero depósito de feto – conforme modelo defendido por alguns dos radicais mais afoitos – os quais desconsideram terminantemente os casos em que a gravidez seja fruto da insanidade, da perversidade e da brutalidade humanas, circunstâncias em que o abusador faz da violência seu ápice de prazer.
Não se constrói vidas mutilando almas. Do mesmo modo que não se constrói a humanidade camuflando ou fazendo “vista grossa” para a desumanidade. Ambas coisas são essenciais ao estado de vida plena.
Ser contra o aborto, não significa necessariamente ser a favor da vida, uma vez que a vida não se limita à sobrevivência durante o estágio intrauterino. Infelizmente há quem queira, por uma questão de militância política, preservar a vida desde a concepção, mas não liga a mínima quando se trata de preservar a vida de humanos já formados que nasceram condenados a lutar incansavelmente pela sobrevivência sem as mínimas condições de vida, por conta da enorme desigualdade social que impera no mundo cruelmente orientado para o acúmulo de riquezas.
Por outro lado, há aqueles que, movidos por políticas afirmativas, defendem a dignidade humana, mas desconsideram o valor da vida do feto.
Fica evidente que, sem que haja o real afeto pela vida em todas as suas dimensões e formas, ambos discursos, formulados unicamente com base em vieses ideológicos, no lugar de promoverem a análise orientada pelo equilíbrio e pela sensatez, incentivam e se empenham mais na promoção da desagregação e do conflito social do que no reconhecimento do verdadeiro valor da vida.
Tal realidade me faz lembrar da fala contida no livro bíblico de Jó: “Donde, pois, vem a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência?
Pois está encoberta aos olhos de todo o vivente, e oculta às aves do céu. A perdição e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos a sua fama. Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar” (Jó 28:20-23).

Peniel Pacheco é professor de teologia e mestre em ciências da educação.

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