Você fala sozinho(a) em voz alta? Meu pai tinha esse costume. Diversas vezes eu o vi e ouvi conversando consigo mesmo e gesticulando enquanto caminhava. Isso já foi considerado sinal de transtorno mental. Mas estudos recentes constataram que, em geral, esse comportamento está dentro da normalidade. Mais que isso: pode ser benéfico, dizem esses estudos.
Somos seres da palavra. Podemos falar com outros e conosco mesmos. Na verdade, talvez conversemos mais conosco que com outras pessoas. Esse diálogo íntimo, silencioso ou audível, nos permite refletir e organizar os pensamentos. É fundamental para a tomada de decisões. E para que a palavra dirigida a outros tenha melhor qualidade. “Pensar antes de falar”, falar consigo mesmo sobre o assunto que vai tratar com outros, é o conselho para uma melhor interlocução. Por isso, especialistas garantem que falar sozinho é considerado normal, desde que o ato não se torne uma mania que cause isolamento, constrangimento social ou alimente pensamentos negativos.
Mas, mesmo dentro da normalidade, há casos em que falar sozinho é ruim. Um deles é quando as pessoas nos deixam falando sozinhos. Um exemplo disso é aquela situação em que nos fazem de “toco de amarrar jegue”. Num evento social, Pedro deseja falar com alguém presente, mas como não quer ou não pode ir direto a essa pessoa, finge interesse em João, que estava no caminho, e aproxima-se deste para conversar. Porém, quando a pessoa em quem Pedro realmente tem interesse está acessível, ele deixa João falando sozinho para ir ao encontro daquela pessoa. Ou seja, Pedro usou João como o dono do jegue usa o toco para amarrar seu animal: ele faz essa parada ali só para isso porque seu verdadeiro intento é fazer outra coisa.
Outra situação frustrante é quando a gente se sente falando sozinho porque o interlocutor ou o auditório se afastam mentalmente. Todo professor, pastor ou pregador evangélico já passou por isso. Um dos professores do instituto bíblico em que estudei dizia que às vezes sentia como se seu corpo estivesse sendo atravessado pelo olhar de alguns alunos. Os olhos desses alunos estavam direcionados para o professor, mas a mente não estava ligada no que ele dizia. Era como se, através do professor, eles olhassem para alguma coisa que estava fora da sala de aula.
Até Jesus experimentou essa situação. Certa vez reclamou dos seus ouvintes: “…a mente deste povo está fechada. Eles taparam os ouvidos e fecharam os olhos. Se eles não tivessem feito isso, os seus olhos poderiam ver, e os seus ouvidos poderiam ouvir; a sua mente poderia entender…” (Mateus cap. 13). Ou seja, Jesus se sentiu falando sozinho. E naquela época ainda nem se pensava em telefone móvel!
Aliás, o telefone celular é hoje uma das causas de muita gente falar sozinha. Quando fui professor em cursos de Direito o celular era uma praga. Mesmo havendo proibição de uso do aparelho nas aulas, não era possível controlar isso. E haja desatenção, dispersão da mente dos alunos pelos aplicativos para longe da voz do professor! Para superar essa situação só tornando a aula um show de circo. Já há escolas de ensino básico e médio que são rigorosas sobre o uso de celulares: recolhem os telefones dos alunos e só devolvem ao final das aulas. As igrejas também estão sentindo esse problema. A esposa de um pastor me contou que em sua igreja dava vontade de abandonar os cultos porque muitos participantes ficavam olhando o celular até na hora das orações.
Mas em outras situações do dia a dia, se não houver cuidado, igualmente o telefone celular pode impedir que marido e mulher, pais e filhos ouçam a voz um do outro. Cada um no seu canto, mesmo no outro lado da mesa, usando o telefone móvel! E quando uma dessas pessoas tenta falar com a outra fora do aparelho, se vê falando sozinha.
Talvez precisemos adotar o hábito do meu pai: falar conosco mesmos em voz alta. Quem sabe assim sejamos ouvidos e, então, não falaremos sozinhos.
Paulo José Corrêa é mestre em Direito e pós-graduado em Letras