
Substantivo masculino que significa inventividade, inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, literário, esportivo e etc.
Quem não admirou extasiado as manifestações de criatividade nos dribles elásticos de Rivelino, as defesas quase impossíveis de René Higuita, os malabarismos desconcertantes de Ronaldinho Gaúcho, o “ando devagar porque já tive pressa” da canção de Fagner e Renato Teixeira, os riscos arquitetônicos de Oscar Niemeyer e os versos de Bezerra da Silva nos quais se destaca jeito dualista entre o malandro e o Mané – personificações típicas de sobreviver às muitas mudanças e diferenças sociais da periferia do Rio de janeiro?
Somos seres criativos, pois somos imagem e semelhança do Criador dos céus e da terra que, do nada, criou tudo o que existe. O problema surge, quando não usamos essa faculdade divina exclusivamente para promover o bem, assim distorcermos esse dom gracioso da imaginação, inventividade, de pensar fora do raio de visão, sempre imaginando novas possibilidades, para fins malignos. Foi isso que aconteceu com Acabe, o sétimo rei de Israel, entre 873 e 852 a.C, ao permitir que sua mulher Jezabel, de modo criativo, usurpasse a propriedade centenária da família de Nabote.
As parreiras da vinha de Nabote eram famosas pela qualidade das uvas e sabor do vinho, especialidades herdadas de gerações, pois desde os dias de Josué, quando a tribo de Issacar recebeu as vertentes do Vale de Jezreel, sua família firmou raízes lá e dedicou-se à produção e ao processamento de uvas.
Era comum Nabote receber visitantes para degustar e comprar seu vinho. Naquele final de tarde, porém, tudo foi diferente, pois Acabe, rei de Israel, era quem parava a carruagem à porta de sua casa. Recebido com a honra devida, o monarca foi logo ao assunto: desejava comprar a propriedade de Nabote para ampliar seus aposentos, visto que essas terras faziam fronteira com seu palácio de verão. Nabote recusa qualquer tipo de negócio, já que, em Israel, as terras eram propriedades geracionais, portanto inegociáveis.
Tal recusa gerou desgosto e indignação contra a lei da propriedade privada, afinal ele era o rei e, como tal, suas vontades são a lei. De volta ao palácio, promoveu greve de fome e deitou-se desgostoso, uma vez que não estava acostumado a ser contrariado.
Informada da crise do rei, a rainha Jezabel, conhecida por seus atos tiranos e perita em manipulação, jura dar a vinha de Nabote como presente ao seu amado. Para tanto, usaria toda sua influência política e econômica a fim de cumprir a promessa, mesmo que, para isso, todas as leis fossem violadas. O plano foi posto em ação.
A primeira medida: usurpar o poder do rei. Escreveu cartas como se fosse do próprio punho do rei, usou o sinete real para validar sua narrativa. Quando o rei é fraco, alguém governa em seu lugar.
Segunda medida: espalhar uma fake news dizendo que Nabote tinha blasfemado contra Deus. Mesmo que Jezabel não temesse a Deus, pois era adoradora do ídolo Baal, mas o importante era demonstrar uma aparente devoção a Deus e, assim, criar uma comoção pública.
Terceira medida: arrumar dois homens, filhos de Belial, isto é, gente dominada por demônios, que fossem capazes de sustentar uma mentira diante de um júri popular. Afinal, a lei mosaica exigia, no mínimo, duas testemunhas para validar uma acusação.
Quarta medida: intimidar ou manipular o tribunal formado por um grupo de anciãos, para que aceitasse a acusação contra o inocente e, assim, fazer o apenamento, sem direito de defesa.
Quinta medida: exigir o cumprimento da lei: “Todo aquele que blasfemar contra Deus, será apedrejado até a morte”.
Sexta medida: Declarar Acabe empossado como dono da vinha que pertencera a Nabote.
A invasão de terra produtiva foi confirmada com sangue e desconsiderou qualquer direito de sucessão, pois, mesmo morto, Nabote devia ter herdeiros.
Essas seis transgressões claras das leis civis, morais e religiosas foram impostas para que Nabote perdesse sua propriedade e sua vida. Para Jezabel, o importante era descarregar sua ira, pois Nabote teve coragem de dizer não ao rei.
Completada a trama diabólica, Acabe e Jezabel descem para tomar posse da vinha. Enquanto este percorre sua nova propriedade adquirida, sob as bênçãos do tribunal formado pelos mais ilustres homens de Jezreel, aquela, caprichosamente, pendurou uma inscrição na entrada de sua nova propriedade: “PERDEU, MANÉ!”
Foi assim que, numa trama criminosa, fundamentada na ganância financeira, urdida nos corredores do palácio, sustentada em declarações falsas e, mesmo assim, validada pelos tribunais do reino, ocasião em que um inocente foi violado em seus direitos e morto sob os rigores da lei, a expressão “PERDEU, MANÉ!” foi grafada pela primeira vez, oito séculos antes de Cristo, consagrando-se esse uso nas futuras gerações.
Walter da Mata é pastor, escritor e membro da Academia Evangélica de Letras do DF.