Governo federal vem monitorando a situação, diz secretário
Mesmo com a retomada de políticas públicas ambientais – que resultaram em sucessivas reduções de desmatamento na Amazônia – a degradação avança e já acumula alertas para quase 163 mil quilômetros quadrados (km²) do mesmo bioma.
O número é três vezes maior do que os quase 58,5 km² alcançados por alertas de desmatamento registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), na plataforma Terra Brasilis, até março deste ano.
No período de março de 2023 ao mesmo mês deste ano, houve aviso de degradação para mais 20,4 mil km² e, na contramão da redução dos alertas de desmatamento para esse período, os números registraram crescimento quando comparados aos aletas para quase 18 mil km², no mesmo período do ano anterior.
Segundo o secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), André Lima, a degradação florestal é um problema que vem sendo acompanhado pelo governo federal e tem recebido atenção dentro das políticas públicas de enfrentamento. “O combate à ilegalidade gera o sentimento de fim da impunidade e isso desestimula o processo de degradação, sobretudo aquele ligado ao corte seletivo de floresta”, explica.
Diferença
O pesquisador explica que o desmatamento e a degradação são fenômenos diferentes, decorrentes de perturbações que podem ser causadas tanto pela ação humana, como fogo, efeito de borda (florestas limítrofes de áreas degradadas) e corte seletivo de madeira, como por distúrbios como a seca, que pode ser natural ou, em frequência maior, decorrente da mudança climática causada pelo homem.
Lapola, que coordenou o estudo The drivers and impacts of Amazon forest degradation, publicado na revista Science em 2023 , afirma que, diferente do desmatamento, que faz com que a floresta deixe de existir e dê lugar a outras paisagens como o pasto, a degradação afeta os serviços ecossistêmicos da floresta de forma mais sutil e em prazo mais longo. Na prática, transforma a floresta por dentro com a substituição de espécies tanto da flora, quanto da fauna. Árvores maiores dão lugar a árvores com estruturas menores, menos biomassa e menor capacidade de cumprir os serviços ecossistêmicos.
Na publicação, Lapola analisa dados do período de 2001 a 2018 e antecipa que a degradação avança mais rápido e já atinge mais que o desmatamento, na Floresta Amazônica. “O problema é que os efeitos da degradação são iguais ao do desmatamento. Em algumas pesquisas, há autores que apontem danos maiores até”, afirma. São consequências como menor capacidade de reter o CO2, interferência no ciclo hidrológico com menos chuvas e aumento da temperatura, por exemplo.
Monitoramento
Além do diagnóstico, a pesquisa também indicou necessidade de aprofundamento na forma de monitorar a floresta. Atualmente, o governo federal apoia suas políticas públicas principalmente nos dados gerados por duas ferramentas: o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que reúne informações anuais do que já foi desmatado, e o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter), com alertas diários, mas com menor precisão.
Apoiado em imagens de satélites, o Deter é capaz de gerar alertas de degradação com base em eventos associados principalmente ao fogo e à extração ilegal de madeira. “Esses dois eventos principais modificam a copa das árvores. Quando você olha pelo satélite, verifica que as copas das árvores têm uma assinatura espectral diferente da floresta não perturbada, só que a área não é convertida em uma área de solo exposto”, explica Luiz Aragão, pesquisador do Inpe, especialista em ecossistemas tropicais com ênfase em sensoriamento remoto.
Para Lapola, embora esse suporte seja efetivo para enfrentar o desmatamento, é ineficaz em alcançar todos os fatores que causam a degradação, o que pode indicar que os dados atuais são subestimados.
“É bem possível que no ano que passou tenha havido um aumento sensível de degradação, principalmente devido à seca, porque tivemos um El Niño, relativamente severo, e teve redução bem drástica dos níveis dos rios, principalmente na Amazônia Central. Então, é de se esperar que a seca tenha levado, também, a uma degradação, mas não temos números ainda, e o correto seria a gente ter um sistema contínuo de acompanhamento disso.”
O pesquisador afirma ainda que distúrbios como fogo e corte seletivo de árvores são mais observáveis por imagens de satélite, mas o efeito de borda – que também gera degradação em áreas próximas às florestas – é mais complexo e precisaria de outras metodologias de monitoramento.
“Podemos observar os cálculos e entender que determinada área é borda, mas tem que ter um cálculo de quantos anos tem aquela borda, porque quanto mais velha, vai perdendo mais carbono. As árvores vão morrendo lentamente, não é um processo instantâneo”, afirma.
Políticas públicas
André Lima diz que o ministério reconhece a necessidade de aprimoramento dos métodos oficiais de monitoramento de degradação e que o assunto tem sido tema de debates tanto para políticas de controle, quanto para a contabilização das emissões de carbono no Sistema de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).
“Podemos ter taxas anuais, com um sistema mais preciso. Isso está sendo discutido com o Inpe, inclusive a possibilidade de um novo projeto para o Fundo Amazônia que avance no desenvolvimento de metodologias e do sistema de contabilidade de taxa de degradação”
De acordo com Luiz Aragão, essas limitações foram levadas em consideração na elaboração da última atualização do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), lançado em junho de 2023, mas é preciso ir além.
“É necessário elaborar novas políticas e ações que sejam voltadas diretamente para a degradação florestal em adição às que já existem relação ao desmatamento”, diz.
O secretário destaca que a degradação ambiental está inserida nos programas de enfrentamento ao desmatamento, a exemplo dos municípios que foram considerados prioritários para iniciativas como o Programa União com Municípios pela Redução de Desmatamento e Incêndios Florestais, que destinará recursos do Fundo Amazônia para ações locais de controle e monitoramento, regularização fundiária e ambiental, recuperação de vegetação nativa e apoio à produção sustentável.
“Tem vários municípios que entraram na lista definida este ano, mas não por conta de desmatamento.Entraram por degradação, portanto, passarão a ser foco de maior intensidade de fiscalização e também de ações relevantes e incentivos positivos”, afirma.
Aragão considera que o avanço precisa acontecer com base em uma visão real dos problemas. O pesquisador aponta como exemplo o uso do fogo, que necessariamente precisa ser substituído por outras formas de manejo viabilizadas pelas novas tecnologias, mas também não se pode ignorar o uso dele nas formas tradicionais de subsistência.
“Para esse grupo você tem que ter uma outra política alternativa onde haja uma educação para a maneira mais adequada e o período mais adequado de utilizar o fogo, com o mínimo de impacto e protegendo a floresta.”
Diante dos desafios, os pesquisadores são unânimes em considerar que é necessário unir esforços no enfrentamento dos distúrbios que afetam as florestas e se potencializam em um processo degenerativo.
“É importantíssimo que nós paremos com os desmatamentos e a degradação florestal para que a gente possa usufruir dos recursos naturais no seu todo potencial, com provimento de soluções bioeconômicas, manutenção da estabilidade climática e bem-estar para as populações locais e o próprio desenvolvimento socioeconômico da região”, conclui Aragão.
Repórter Brasília/Agência Brasil