
O que acontece hoje no Rio de Janeiro é mais do que uma operação policial — é um retrato do colapso do pacto social. A guerra aberta entre traficantes e forças de segurança, com dezenas de mortos, helicópteros sobrevoando favelas e escolas fechadas, expõe a incapacidade do Estado brasileiro de garantir o básico: o direito à vida e à segurança.
Laboratório de fracassos
O Rio, que já foi vitrine do país, tornou-se laboratório de fracassos sucessivos. Cada governo anuncia uma “nova política de segurança”, mas o resultado é sempre o mesmo: confrontos diários, territórios dominados pelo crime, comunidades reféns do medo e uma polícia que, muitas vezes, é ao mesmo tempo vítima e parte do problema.
A infiltração do poder paralelo
O avanço das facções, como o Comando Vermelho, não se limita mais às vielas e becos. Com recursos milionários, tecnologia e uma estrutura empresarial do crime, essas organizações entenderam o valor da política e do poder institucional. A infiltração em áreas do Legislativo, da polícia e até do Judiciário não é ficção — é um risco real e crescente. O crime aprendeu a se vestir de legalidade, a financiar campanhas e a negociar influência.
Quando o tráfico se institucionaliza, o combate armado perde o sentido. As armas de grosso calibre são apenas a ponta do iceberg de um sistema que mistura corrupção, poder econômico e omissão política.
O Estado que chega tarde e mal
O problema do Rio não é apenas policial; é estrutural. Durante décadas, o Estado foi ausente onde o crime se organizou. Quando aparece, chega de fuzil em punho, sem oferecer escola, saúde ou emprego. É uma lógica perversa: a polícia ocupa por alguns dias, mas o tráfico ocupa por anos — com “leis próprias”, “assistência social” e, em alguns casos, “justiça paralela”.
Policial mal remunerado e desprotegido
O policial, por sua vez, mal remunerado e desprotegido, enfrenta o impossível. Muitos sucumbem à corrupção, outros ao desespero. O resultado é uma força dividida, vulnerável, infiltrada e desmoralizada.
É possível reverter o quadro?
Sim, mas não com discursos inflamados nem com operações espetaculares transmitidas ao vivo. É preciso um plano de Estado, não de governo. Segurança pública se constrói com inteligência, investimento social e coragem política.
Reverter a guerra urbana exige:
- investigação e rastreamento financeiro, para desmantelar a estrutura econômica das facções;
- reforma profunda das polícias, com valorização, controle e punição de desvios;
- presença contínua do Estado em comunidades, oferecendo alternativas reais ao crime;
- cooperação entre União, estados e municípios, com políticas integradas e metas comuns.
Sem isso, o Rio continuará a ser um campo de batalha e o país, um espectador apático da sua própria tragédia.
Portal Repórter Brasília, Edgar Lisboa