Lembrar do que traz Esperança (André Oliveira)

André Oliveira/Arquivo pessoal

Você já se perguntou se tem uma boa memória? Muitos gostariam de responder com um entusiasmado “sim”. A memória é, sem dúvida, um dos processos cognitivos mais fascinantes da mente humana. A capacidade de viver e recordar o que experienciamos é um movimento dinâmico e surpreendente. Especialistas há muito tentam desvendar os mistérios que envolvem a memória, e, curiosamente, ela nos permite lembrar tanto dos momentos que nos trouxeram felicidade quanto dos que causaram desamparo e dor.

Assim como lembrar é um imprescindível, esquecer também pode ser uma dádiva. Podemos imaginar a memória como um balde furado, onde algumas informações lentamente escorrem. À primeira vista, a ideia de esquecer pode parecer contraditória em um mundo que valoriza a retenção de informações como sinônimo de genialidade. Porém, lembrar de tudo nos mínimos detalhes, especialmente os eventos dolorosos, tornaria a vida insuportável. Imagine reviver com precisão todas as irritações do trânsito, as promessas não cumpridas, as dores dos seus filhos, ou os insucessos pessoais. Carregar esse peso seria um fardo insustentável.
Para quem aprecia uma boa série, o episódio “Toda Sua História”, de Black Mirror, ilustra um cenário em que um implante de memória grava tudo que as pessoas fazem, veem e ouvem. O resultado é um personagem sufocado pelas recordações, provando que lembrar de tudo pode ser mais um tormento do que uma bênção.
Então, o que seria ideal? Perder a capacidade de recordar ou viver como uma máquina de memórias perfeitas? Talvez nenhuma dessas alternativas nos satisfaça. Um trecho bíblico nos dá um conselho valioso: “Quero trazer à memória o que me dá esperança.” Esse conselho nos inspira a sermos seletivos em nossas lembranças, escolhendo intencionalmente aquilo que nos fortalece. Não se trata de negar ou apagar o passado, mas de exercer o poder de foco e ressignificação.
A vida é uma dança entre luz e sombra. Há dias em que somos tomados por alegria, e outros em que a tristeza nos afoga. Há momentos em que somos arautos da esperança, e outros em que a desesperança toma o palco. Essa dualidade torna a vida uma constante escolha entre o sim e o não. É nessa encruzilhada que somos chamados a lembrar daquilo que nos traz esperança.
Trazer à memória o que inspira esperança é um exercício poderoso. Pense nas pessoas que você ama, nos pequenos passos que já deu, nas vitórias alcançadas. Reflita sobre a beleza da natureza — o nascer do sol, o ciclo das estações — e o que elas nos ensinam sobre recomeços. Inspire-se nas histórias de superação, visualize um futuro melhor, e celebre pequenos gestos de bondade, seja como doador ou receptor. Encontrar conforto na espiritualidade, na meditação, ou em ações que beneficiem outras pessoas, pode dar um profundo senso de propósito.
À medida que nos aproximamos do final de mais um ano, somos marcados pelas memórias que moldam quem somos. Mas o desafio está em monitorar nossos pensamentos e escolher cuidadosamente onde colocamos nosso foco. Certamente, há momentos de 2024 que gostaríamos de apagar, sabemos que isso não é possível, mas, ao mesmo tempo, não podemos permitir que memórias negativas continuem a ocupar um espaço central em nossa mente.
E você, tem uma boa memória? Mais importante do que recordar tudo com precisão é decidir no que investir sua capacidade de recordação. Ninguém exemplificou isso melhor do que Jesus Cristo, que viveu entre memórias de rejeição, dor e violência, mas escolheu focar na missão que o trouxe à Terra: salvar a humanidade. Ele nos ensina que uma boa memória não é apenas sobre a clareza de detalhes, mas sobre a sabedoria de selecionar o que vale a pena ser lembrado.
Na próxima vez que alguém perguntar se você tem boa memória, lembre-se: o que realmente importa é usar a habilidade de trazer à memória aquilo que promove esperança.
André Oliveira é pastor, psicólogo, pós-graduando em terapia cognitiva comportamental.

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