E agora, José? O patriarcado e a crise do homem contemporâneo (Álerson do Carmo Mendonça)

Álerson do Carmo Mendonça/Divulgação

A Semana de Arte Moderna de 1922, icônico marco cultural realizado no Theatro Municipal de São Paulo, em fevereiro daquele ano, inaugurou o Modernismo brasileiro. Seu principal objetivo? Romper com padrões eurocêntricos e colonialistas em todas as formas de expressão artística, dando voz a uma identidade verdadeiramente nacional.

Esse movimento, que se estendeu até a década de 1960, teve diferentes fases e grandes expoentes. Entre eles, Carlos Drummond de Andrade, poeta da chamada segunda fase modernista (1930-1945). Em 1942, ele publicou um dos mais famosos e inquietantes poemas da literatura brasileira: José (AIDAR, 2025). Ali, Drummond nos apresenta um homem perdido, sem rumo, sem saída.

Mas José é apenas um homem? Ou representa um coletivo? Podemos vê-lo como um símbolo da masculinidade em crise.

“E agora, José?” — a pergunta ressoa como um eco de angústia e desamparo. O poema revela o medo, a insegurança e a desesperança de um personagem que poderia ser qualquer um. E se pensarmos bem, talvez Drummond tenha antecipado um dos maiores dilemas do século XXI: o colapso do modelo tradicional de masculinidade.

Durante milhares de anos, o patriarcado moldou o mundo. Historiadores discutem se um dia houve matriarcados, mas a pesquisadora Gerda Lerner (2019) esclarece: “Não existe uma só sociedade conhecida em que as mulheres, como grupo, tenham exercido poder sobre os homens ou definido as regras sociais”. Já o patriarcado, por sua vez, sempre se impôs como norma.

A masculinidade foi historicamente associada ao falo — esse símbolo de poder, força e controle. Como explica Malvina Muszkat (2018), o falo “representa a lança do caçador, a espada do herói, o depositário da masculinidade”. Mas o nosso José não tem espada, nem heroísmo. Ele está só, sem porta, sem carinho, sem rumo.

“E agora, José?”

O mundo mudou. E rápido. O físico austríaco Fritjof Capra (2006), em O Ponto de Mutação, já alertava para uma transição irreversível, que abalaria as estruturas da sociedade. Entre essas transformações, ele destaca o “declínio do patriarcado”, um sistema que, por milênios, nunca fora questionado. Mas o feminismo veio para mudar essa lógica. Capra profetizou: “O movimento feminista é uma das mais fortes correntes culturais do nosso tempo, e terá um profundo efeito sobre a nossa futura evolução”.

E como ficam os Josés diante dessa mudança? Muitos se desesperam. Gritam. Xingam. Agridem. Matam.

Na tentativa de manter um poder que se esvai, alguns recorrem à violência, numa luta perdida contra o inevitável. Mas, ao contrário do que alguns pensam, essa não é uma guerra entre homens e mulheres. É um chamado para um mundo mais justo, mais equilibrado, onde o poder não seja privilégio de um gênero, mas sim compartilhado por todos.

As Marias chegaram. As Anas. As Beatrizes. As Joanas. Mulheres que sempre estiveram aqui, mas que agora se fazem ouvir.

E para os Josés, resta uma escolha: resistir e se perder em sua própria angústia ou abrir os olhos e aprender.

Aprender a ouvir. A dividir. A ressignificar o que é ser homem. A enxergar a força que existe na vulnerabilidade, na empatia, no respeito.

“E agora, José?” Tal qual a Semana de 1922, agora é hora de mudar. Agora é hora de recomeçar!

Referências:

1. AIDAR, Laura; MARCELLO, Carolina. Disponível em https://www.culturagenial.com/poema-e-agora-jose-carlos-drummond-de-andrade/ , acessado em 01/03/2025.
2. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2006.
3. LERNER, Gerda. A criação do Patriarcado: história da opressão das mulheres pelos homens. São Paulo, Cultrix, 2019.
4. MUSZKAT, Malvina E. O homem subjugado: o dilema das masculinidades no mundo contemporâneo. São Paulo: Summus, 2018.

Álerson do Carmo Mendonça é Juiz de Direito, Titular da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar de Vitória da Conquista/BA.

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