Por Ivanir José Bortot
Em evento com professores de Direito, o magistrado fez uma dupla sugestão como contraposição à polarização predominante no Brasil do século 21: a política e um Supremo voltado para sua principal missão, a garantia dos direitos humanos e fundamentais
O ministro Edson Fachin, na presidência interina do Supremo Tribunal Federal (STF), reuniu, na semana passada, professores universitários de Direito para uma reflexão conjunta sobre desafios do Supremo. No mesmo evento, os participantes avaliaram os necessários ajustes que conduzam ao cumprimento de suas obrigações constitucionais em defesa da democracia e dos direitos da pessoa, hoje e no futuro.
Fachin, que ora substitui Luís Roberto Barroso, em viagem a Portugal e a China, exercerá a presidência do STF entre outubro de 2025 e outubro de 2027. Ou seja, ele comandará a Corte Máxima da Justiça brasileira durante a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e nos primeiros 10 meses de mandato do próximo mandatário, que será eleito em 2026.
Desafios supremos
Entre os desafios abordados, (1) a erosão da autoridade do Supremo; (2) os riscos de controle externo do STF; (3) conteúdos sintéticos alimentando o lucrativo negócio desinformação; (4) o excesso de disputas financeiras de recursos públicos entre os entes federativos por incapacidade de soluções políticas ; (5) o risco do STF se tornar uma Câmara de Conciliação para resolver conflitos entre poderes; (6) a necessidade de juízes com fundamentação racional e sistematicamente reafirmando a autoridade; (7) um tribunal que no futuro deve ser cada vez mais o STF dos direitos humanos e fundamentais.
Polarização, o mal do século
Para Fachin, ao falar na 30ª edição da “Hora de Atualização” na Sala de Sessões da Primeira Turma do STF, com presença a de servidores, convidados e autoridades do judiciário, “um tribunal que tem o encargo precípuo de ser guardião constitucional precisa dar exemplo de coerência, integridade e estabilidade”. E acrescentou que não há justiça, nem liberdade e muito menos solidariedade na falência do Estado de direito democrático.
O magistrado lembrou que a polarização, a qual se tornou predominante na política brasileira, transforma nossos planos em escolhas plebiscitárias. “Perdemos o espaço exigido pela força construtiva da diferença e deixamos de valorizar a comunidade que formamos. A atual polarização também sinaliza que estão em curso mudanças sociais tectônicas, daquelas estudadas pela demografia, a geografia das ciências sociais. A polarização pode ficar um pouco mais aguda. É o mal século. O antídoto está na Política e não na violência”.
E indaga o que essa transformação social em curso tem a dizer sobre o porvir da jurisdição constitucional. “A escuta profunda é porta que abre um diálogo genuíno. Análises exclusivamente endógenas são empobrecidas. Escrutínios externos, plena liberdade de críticas e transparência são imprescindíveis”, sugeriu.
Na sequência, fez um alerta: “Permitam-me, tentativamente, confidenciar-lhes meu ceticismo em relação à capacidade dos tribunais processarem nossas diferenças. Creio não estar sozinho aqui: em momento de mudanças sociais intensas cabe à política o protagonismo, ao Judiciário – e às Cortes Constitucionais mais especificamente cabe a virtude da parcimônia: evitar chancelar os erros e deixar sedimentar os acertos, sempre zelando pela proteção dos direitos humanos e fundamentais. Comedimento e compostura são deveres éticos cujo descumprimento solapa a legitimidade do exercício da função judicante. Abdicar dos limites é um convite para pular no abismo institucional”.
Juiz independente, mas fundamentado na razão
O ministro disse ainda que autoridade diluída não produz confianças, especialmente em um país com o fantasma insepulto do autoritarismo. “Muitas vezes menciona-se que há um determinado caminho para fechar uma dada constituição, o caminho e por fora. Se este caminho não se viabiliza, procuram-se alguns caminhos por dentro”. O tribunal, segundo o ministro, “tem uma dimensão institucionalizada, ocupa um lugar que foi definido pelo legislador constituinte. Este lugar é para dizer se uma lei é constitucional ou inconstitucional: esta é nossa função. É claro que não há neutralidade na utilização dos signos discursivos. É claro que há um canteiro de obras em que se faz presente uma disputabilidade de sentidos”.
“Todavia, a resposta a ser dada é precisamente esta da filtragem. E a filtragem constitucional mediante uma cultura da fundamentação racional e sistemática. O tribunal tem dever de ter fundamentação de modo racional e sistemático. E assim é o estado democrático de direito: o juiz é independente, mas em relação à fundamentação não é livre. Não há discricionariedade em relação à fundamentação. A fundamentação precisa ser racional e sistematicamente demonstrada. A questão da judicação de direitos é algo central para um tribunal que, no futuro, segundo meu modo de ver, deve ser cada vez mais o STF dos direitos humanos e fundamentais. Esta é a missão do tribunal e, olhando médio e longo prazo, tem esta perspectiva e desafios”.
Professores participantes
Durante cerca de 3 horas falaram os seguintes professores: Fernando Scaff, titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Ana Frazão, professora associada de Direito Civil, Comercial e Econômico da Universidade de Brasília (UnB), Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e ex-presidente da Law Schools Global League, Vera Karam de Chueiri, titular de Direito Constitucional do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Juliana Cesario Alvim Gomes, assistente na Central European University, na Áustria, e professora adjunta de Direitos Humanos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Portal Repórter Brasília, Edgar Lisboa/Por Ivanir José Bortot