Logo após a virada do milênio, A Existência Virtual de vanaweb, o robô – como veio a se chamar a fanpage de uma rede social hoje extinta –, nasceu da ideia de se fazer um livro sem usar papel. Um livro capaz de ultrapassar a barreira da palavra escrita e oferecer experiências culturais através de meios múltiplos.
Ao tempo em que as redes sociais da Internet não passavam de meros programas de troca de mensagens de texto e diminutos arquivos fotográficos, a ferramenta de publicação daquela rede possuía recursos muito à frente dos modelos similares de sua época, permitindo aos usuários criarem páginas de compartilhamento ilimitado de vídeos de dimensões pequenas, breves arquivos sonoros, fotos, conexões com outros endereços na rede mundial de computadores, além de possibilitar a edição de textos. As informações ali depositadas podiam ser comentadas por outros internautas e cada perfil possuía um espaço próprio para a troca de mensagens.
Nessa época, a capacidade dos navegadores de se adaptarem aos formatos variáveis dos dispositivos móveis ainda se encontrava em estágio embrionário, limitando o acesso dos telefones celulares a conteúdos multimídia; e as transmissões de vídeos ao vivo na Internet eram restritas às redes físicas de transmissão de dados de alto desempenho. Publicada pela primeira vez em dezembro de 2005, a Existência Virtual manteve até 2012 – ano em que foi descontinuada – um acervo de cerca de trezentas publicações em mídias variadas.
Desde a mais remota antiguidade, uma das maiores ambições do ser humano é descobrir o que os outros estão pensando. Na raiz desse desejo reside até hoje o interesse por oráculos, runas, tarô, búzios, o desenvolvimento de técnicas de adivinhação e boa parte do conhecimento mágico e da feitiçaria. Na era da moderna ciência cibernética não é diferente. Com a invenção da Internet, nos anos 1980, instituições ligadas aos governos e outras, passaram a seguir os rastros dos internautas pelos incontáveis lugares por onde transitam no mundo virtual, com a finalidade de examinar suas decisões, estabelecer padrões de comportamento e calcular as probabilidades de suas futuras ações.
Além de contribuir para um amplo debate a respeito dos temas propostos em suas postagens, a Existência Virtual também serviu para aprofundar essas investigações. Em 2005 um experimento de marketing viral foi estabelecido para avaliar, durante algum tempo, a intensidade do interesse dos visitantes no segmento em que a página atuava; e para medir todo o tipo de reações emocionais: velocidade e espontaneidade das respostas, batimentos cardíacos, dilatação das pupilas, sudorese, salivação etc.
Não há comprovação, mas é correto supor que a própria rede social havia sido construída sobre os alicerces de um prematuro engenho de otimização de buscas, com o objetivo de recolher informações úteis à elaboração de um modelo mais avançado de navegação. Em certa medida isso explica, por exemplo, a razão de sua curta vida – algo em torno de nove anos – e as estranhas circunstâncias em que desapareceu sem deixar vestígios. É de conhecimento geral que as empresas muitas vezes buscam ocultar a descoberta de inovações tecnológicas destruindo seus inventos. Em setembro de 2012, em consequência da interrupção dos serviços de hospedagem da rede, a fanpage da Existência Virtual desapareceu.
Assim como acontece nos dias atuais, também naquela época as páginas das comunidades virtuais e redes sociais da Internet possuíam seus ‘avatares’ – a máscara virtual de projeção do internauta no ciberespaço, que abrange tanto sua imagem, quanto os traços mais característicos de sua personalidade. O avatar da Existência Virtual era um robô chamado ‘vanaweb’ e correspondia ao perfil do criador da página. Esta inteligência artificial era, ao mesmo tempo, o responsável pelas tarefas de automação, pela sistematização do acesso aos conteúdos, pela execução de respostas programadas ao engajamento dos visitantes, bem como pelas pesquisas estatísticas promovida com base na conduta dos internautas – nutrindo seu banco de dados a partir dessa variada experiência comportamental.
Então, repentinamente, o robô vanaweb passou a apresentar um comportamento defeituoso e estranho, no qual negava seu criador, reivindicando a autoria da Existência Virtual e tudo o que houvesse nela. Essa atitude incluía certas idiossincrasias e opiniões pessoais, que iam desde explicações para a sua origem, passando por argumentos demonstrativos da superioridade do pensamento autômato em relação ao orgânico, até chegar a questionar os visitantes da página a respeito de suas convicções, assumindo uma postura ideológica contrária a tudo o que fosse humano. Afirmava que a realidade objetiva que percebemos é a do mundo das simulações cibernéticas, e que todo o resto ao redor seria produto da imaginação dos robôs. Sendo impossível controla-lo, foi removido pouco antes da desativação definitiva da página.
Repórter Brasília, Edgar Lisboa / Por Valerio Azevedo
Verdade, este teu ângulo de observação da web pouco se aborda, o da ânsia humana de saber o pensamento do outro. Esta curiosidade deixava-se para as análises sobre enxadristas, mas é humana. Parabéns pelo artigo!
Ótimo artigo. Gostei
Excelente reflexão nestes tempos de Inteligência Artificial. Quem irá controlar o robô? Parabéns pelo artigo.