Contando nossos dias sabiamente (Josué Mendes)

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Josué Mendes

Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos coração sábio.

(Salmos 90.12)
O tempo é algo que não volta atrás.
Por isso plante seu jardim e decore sua alma,
Ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.
(Veronica Shoffstall)
Amanheci, hoje, um tanto pensativo!
Peguei o calendário e, em olhar retrospectivo, comecei a meditar sobre o dia 14 de julho – dia que sucede ao meu aniversário: 13/07.
Eu me imaginei com apenas um dia de vida, recém-nascido, na pacata Pimenteiras, no meu Piauí. Não sei se em casa ou na maternidade (esqueci-me de perguntar à minha mãe; agora já não dá mais, pois preferiu ela morar no céu, desde 28 de abril de 2023)… imaginei-me frágil, envolto em panos rústicos, ainda disforme, sem visão nítida, chorando, nos braços da mamãe ou de alguém, em um ambiente estranho… Faça também esse exercício, caro(a) leitor(a), de voltar ao tempo de sua história!
Na efeméride (datas que marcam eventos históricos e culturais relevantes), o 14 de julho lembra: Joana D´Arc capturada e entregue para ser queimada (1430); a Queda da Bastilha, momento em que a população de Paris saiu às ruas libertando prisioneiros e dando início à Revolução Francesa (1789) – tive o privilégio de reviver o 14 de julho em 2007, quando lá morava; inauguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro (1909), importante palco da Semana de Arte Moderna de 1922; a Ferrari conquistando sua primeira vitória, no GP de Silverstone (1951); o lançamento do formato de áudio mp3 (1995); e, ainda, minha posse como professor efetivo do Instituto Federal de Brasília (2010). Faça mais esse exercício e acrescente aí alguns dos eventos que lhe marcaram, leitor(a) querido(a)…
Por que fazer disso o assunto de um artigo?
A ideia de contar os nossos dias pode ser uma estratégia interessante para nos lembrar da finitude da vida e nos motivar a vivê-los, de forma mais consciente. Isso, porém, não é garantia de se alcançar um coração sábio. A sabedoria se desenvolve no processo de aprendizado e autoconhecimento contínuo, sendo o tempo apenas um dos elementos que contribuem para esse processo.
Todavia, é inspiradora essa ideia de contar os nossos dias para alcançar um coração sábio. Embora não exista uma relação direta que leve a tal finalidade, vemos nesse gesto aspectos positivos e negativos. Como positivo, temos a consciência de que o tempo pode nos levar a viver o presente de forma plena; planejamos metas que nos motivam a trabalhar para alcançá-las; cultivamos a gratidão pelo tempo que temos, pelos momentos bons que vivemos, pelas pessoas que amamos, e assim vai… Entrementes, algumas situações negativas surgem: preocupação com a mortalidade e, consequentemente, passamos por estado de ansiedade e apreensão; sentimento de limitação, o que pode nos privar de fruir o tempo presente; obsessão com o futuro, colocando nosso viver em função de um devir incerto.
Importante contextualizar que o título deste artigo é uma paráfrase do versículo 12, do Salmo 90, uma oração que Moisés fez no vale de Moabe, à entrada da terra prometida. Nele, contrasta as limitações da humanidade com a eternidade de Deus. O salmista não pede uma vida sem aflição, mas que o Senhor equilibre bênção e sofrimento, já que passamos nossos anos como um conto que nos é contado. Pede, também, que o Senhor nos ensine a tirar proveito de nossas breves vidas, a fim de cultivarmos um coração dirigido pela sabedoria; enfim, que possamos viver bem e sabiamente.
Particularmente, eu gosto da expressão “de tal maneira” que aparece no versículo em apreço e em outras belas passagens bíblicas, como João 3.16 (Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito…). Tal expressão pode estabelecer tanto uma relação de causa e consequência, quanto de intensidade (tamanho vigor, tal força, tão intensamente). Pode ser utilizada para enfatizar a forma como algo é feito ou realizado; indicar que algo foi feito de uma maneira específica, destacando a intensidade ou particularidade da ação; realçar a maneira como algo foi executado, transmitindo a ideia de que foi feito de forma precisa, cuidadosa ou excepcional. Pode ainda destacar a qualidade, eficiência ou exclusividade de uma ação. Em suma, equivale à maneira adequada para que se alcance uma finalidade.
Também é imprescindível entender que o coração sábio simboliza um estado de discernimento, aceitação e inteligência emocional, alcançado por meio de nossa experiência de vida (desafios, aprendizados e reflexões), do cultivo da empatia (relacionamentos significativos e prática da escuta sensível) e do desenvolvimento da autoconsciência (meditação, introspecção e autoanálise). A sabedoria, então, é resultado da nossa experiência de vida, das escolhas que fazemos e do desenvolvimento de uma mentalidade equilibrada.
Para Deus, um dia e mil anos são a mesma coisa; para nós 70 ou 80 anos é pouco, considerando a eternidade. Por isso, devemos orar como Moisés, a fim de termos uma sábia compreensão da brevidade de nossa vida, ao mesmo tempo uma certeza de que a vida presente é uma preparação para a vida vindoura. E que “seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus, confirmando as obras das nossas mãos”, em relação ao seu Reino, às nossas famílias e a nós mesmos, no cultivo do autoconhecimento em verdade, amor, beleza, fidelidade, temporalidade e sabedoria.
Amém e amém!
Josué Mendes é professor, escritor e acadêmico ocupante da Cadeira 12 da Academia Evangélica de Letras do Distrito Federal – AELDF.

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