Tem Certeza? (Paulo José Corrêa)

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Paulo José Corrêa/Divulgação

“Só abro a boca quando tenho certeza”, dizia Ofélia, a personagem de um programa humorístico da TV. Embora afirmasse absurdos, Ofélia sempre repetia essa frase.

Queremos ter certezas; a dúvida nos incomoda. “Tem certeza?”, perguntamos quando alguém nos diz algo importante. Queremos certeza na escola, no consultório médico, na política. Difícil aceitar um “não tenho certeza” do professor, do médico ou do candidato a cargo público. “Talvez”, “depende”, “quem sabe” não são respostas muito simpáticas.
Livros de autoajuda vendem milhares de exemplares porque contêm certezas: “Faça isso, pense assim, fale desse modo, e tudo dará certo”. As pessoas querem muito acreditar em algo e por isso compram tais livros. A vida é difícil, cheia de incertezas, e as fórmulas oferecidas nesses livros para que as coisas aconteçam do modo que se deseja é um grande atrativo.
Essa mesma ideia está no “milagre” da multiplicação das igrejas neopentecostais. Ideia expressa não por meio de livros, mas por “artefatos da fé“. Aprenderam com a Igreja Católica que a religião precisa de símbolos para estimular a crença. Mas enquanto esta apresenta artefatos antigos, consagrados pela tradição, essas igrejas utilizam objetos comuns — água, tijolos, vassouras, fronhas, sabonetes etc. — que, uma vez ungidos, teriam um poder sobrenatural, dando às pessoas a certeza de obter um milagre. Por causa dessa certeza, essas igrejas aparecem e crescem.
Certezas são o negócio da religião. Pode-se comparar o conjunto de religiões a uma feira onde cada uma delas oferece suas certezas. Religiosos afirmam ter certeza. Por isso constroem dogmas. Proclamando convicção sobre o natural e o sobrenatural, sobre o tempo e a eternidade, atraem seguidores. Na religião, duvidar é uma atitude condenada, até demonizada. Ai do pregador que disser: “Quero falar de um assunto sobre o qual não tenho certeza”! Falará para cadeiras vazias. As mensagens religiosas tentam destruir certezas existentes e impor uma nova certeza: a certeza daquela religião. As disputas religiosas são guerras de certezas: cada religião proclama suas certezas e lança dúvidas sobre as das outras.
Na ciência, a certeza é sempre provisória. É “o que se sabe até agora”. A dúvida está na essência do conhecimento científico e por isso ele progride. Embora obtida com rigor metodológico, a certeza científica está sob revisão permanente. Isso não parece confiável para alguns, e os charlatães, que apresentam soluções imediatas e milagrosas, às vezes são preferidos.
Certeza e dúvida são duas faces da mesma moeda. Certeza é resposta a perguntas. Perguntas nascem da dúvida. Toda certeza tem a dúvida em sua origem. Por isso, é preciso conviver tanto com uma, quanto com a outra. Certezas são necessárias, mas podem fechar a mente para novos conhecimentos. Dúvidas são incômodas, mas podem manter a porta aberta para a aprendizagem.
Isso não significa que temos de viver em permanente ceticismo quanto a tudo. Há coisas sobre as quais as certezas foram construídas através dos séculos, como saber que dois mais dois são quatro. Significa que não devemos ter a arrogância de pensar que sempre estamos certos e aceitar o desafio de, às vezes, como o Abraão da história bíblica, caminhar sem saber exatamente para onde vamos.
Dito tudo isso, vocês devem estar me perguntando: “Tem certeza sobre o que está escrevendo?” Bem, não sou Ofélia.
Paulo José Corrêa é mestre em Direito e pós-graduado em Letras.

Um Comentário

  1. Muito bom, caro amigo Paulo. Essa feira a que você se refere é o “mercado de bens simbólicos”, né?… e quem vai à feira ou ao mercado é justo que pague… quem vai à igreja o que procura?… que se ajuste às suas necessidades…

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