No filme “About Fate”, o rapaz entra na casa errada e dorme na cama da mocinha, que o surpreende e pensa que ele é um ladrão. Mas então, várias coincidências se revelam. Eles se reconhecem da noite anterior, pois estavam no mesmo restaurante, ele pedindo a namorada em casamento, ela esperando que o namorado a pedisse. Além disso, ambos amam gatos e têm um pôster do filme “Bonequinha de luxo” pendurado na sala. Bom, nem precisa dizer que a história se alonga com novas coincidências até que o inevitável fim se revela: eles ficam juntos e “serão felizes para sempre”.
Não é de hoje que as coincidências são tratadas como algo místico e com força decisória para muita gente. “Não acredito em coincidência”, dizem alguns. “Foi uma coisa mágica: era impossível que tudo o que aconteceu fosse simples acaso”, afirmam outros, para justificar suas decisões. Lógico que ninguém pensa nas inúmeras vezes nas quais as coincidências simplesmente não ocorreram, o que , diga-se de passagem, é a regra e não a exceção. Mas quando acontece de você estar naquele exato momento, naquele exato lugar e encontra aquela pessoa, ah, diga-me, qual é a possibilidade disso acontecer do jeito que aconteceu? Ora, há uma simples resposta matemática para isso, mas quem liga? O destino, esse danado, é quem tem a razão.
Nosso cérebro é muito eficaz em garantir a nossa sobrevivência mas, para isso, teve de aprender a decidir rápido e, para decidir rápido, teve de aprender a pegar atalhos cognitivos. É o que os especialistas chamam de “vieses cognitivos”. A gente toma atitudes achando que é a melhor decisão, quando, na verdade, é o nosso cérebro livrando-se do problema imediato, gastando pouca energia e liberando-se para cuidar do próximo “tigre de dentes de sabre” que deve estar logo ali na esquina.
O que chamamos de destino, isto é, a associação de fatos aleatórios em uma narrativa aparentemente coerente e justificadora de nossas decisões, não passa de um desses vieses. Muitas amizades, muitos negócios, muitas viagens, muitos casamentos foram sacramentados por causa do nosso cérebro apressadinho e super protetor. Depois, o que resta é repetir a história para nós mesmos, muitas vezes, até acreditarmos nela. Afinal, teremos de explicar por que resolvemos casar com aquela pessoa que conhecemos há apenas três semanas ou por que admitimos como sócio do negócio aquele cidadão com o qual esbarramos em uma saída de show.
Rubem Alves, que foi professor de Filosofia da Ciência na Unicamp, conta em um de seus livros sobre o espanto que seria para qualquer um de nós entrar em um supermercado e receber um prêmio por ser o cliente número 7693. Certamente a curiosidade seria maior do que a alegria: “mas por que me dar um prêmio por eu ser o cliente 7693?”. No entanto, se o prêmio fosse por sermos o cliente número 10 mil, não haveria espanto nenhum, só a alegria e mais um reforço do viés cognitivo: “sou mesmo um cara de sorte. E olha que eu nem tinha intenção de entrar no superme.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros