Quanto custará reconstruir o Rio Grande ? (Por Umberto de Campos)

Umberto de Campos

Eu só conheci asfalto, na estrada, em 1971. Depois fiquei sabendo que aquilo já existia pelo menos desde os anos 30 e 40 do Século Passado.

Isso porque onde eu morava, no Rio Grande do Sul, até então, as estradas eram de terra batida.

A ligação entre o meu município – Canguçu – e Pelotas (a cidade “grande”), por asfalto, só foi concluída lá por 1972.

Até hoje a duplicação da BR 116, que liga Pelotas a Porto Alegre não foi concluída. Politicamente, o governo federal nunca teve interesse em duplicar.

Faço este preâmbulo para refletir sobre a tragédia sem precedentes que se abate sobre o estado em que nasci.

Quantos anos foram necessários para que as estradas, as pontes, as ligações entre os municípios fossem concluídas? Conseguir “verba” é sempre um sacrifício. Exige negociação política e às vezes anos e anos de espera.

É assim também com a infraestrutura das cidades. A água, o esgoto, a luz e agora a internet, na era das comunicações. Esgoto, por exemplo, é raridade na maioria das cidades brasileiras.

A minha reflexão é sobre a tragédia. Este evento de proporções inimagináveis, cuja força de destruição ainda não acabou.

Quanto vai custar a reconstrução? E uma pergunta que me assalta: será que há dinheiro nos cofres do País, para essa reconstrução?

Uma reconstrução que não passa apenas pelos serviços públicos. Que passa pela reconstrução das pessoas. Das vidas. Dos empregos. Da economia pessoal. Da possibilidade de haver educação e comida para as crianças.

Vamos fazer alguns exercícios de futurologia.

Uma pequena cidade absolutamente destruída. Vidas absolutamente destruídas. Como o poder público fará para garantir às pessoas uma nova moradia? Como fará para que essas pessoas consigam “recomeçar”? Porque para recomeçar é preciso coragem e força jovem.

Mas, e as pessoas mais velhas, que no Brasil inteiro já não conseguem trabalho? Alguém me explique como um aposentado de salário mínimo recomeça?

Mesmo os mais jovens precisam de uma economia funcionando, para obterem ocupação. Precisam do comércio, da indústria para ter emprego.

Nunca achei correto que os governantes entreguem serviços públicos à iniciativa privada. Empresas buscam lucro. Será que as grandes empresas, que podem simplesmente levar suas operações para outros estados vão reconstruir as fábricas, as lojas, os armazéns, os silos???

Os comerciantes que perderam tudo terão meios para recomeçar, para garantir empregos e voltar à normalidade?

Sem estradas, sem pontes, um aeroporto em colapso… quem vai investir ou reinvestir imediatamente seus recursos num lugar como esse?

A certeza de que o fenômeno se deve às mudanças climáticas, nos permite a dúvida de que, no ano que vem, algo similar possa acontecer.

Valerá a pena investir num local assim?

Ninguém pode fazer sequer uma projeção de quanto vai custar reconstruir o que foi destruído. O Rio Grande, como diz o próprio nome, transbordou e levou por água abaixo boa parte do que foi construído em anos e anos de trabalho e sacrifício. Admiro a coragem das pessoas; mas já vi no rosto de muita gente o choro do desespero de simplesmente não haver perspectiva.

Gente que investiu uma vida inteira na casa, nos móveis, nos eletrodomésticos… que tinha um trabalho e salário para ir ao supermercado. Um carrinho na porta e dinheiro para abastecer.

Milhares de gaúchos vão ficam sem carro. Alguns certamente vão conseguir pagar um mecânico; outros não.

A reconstrução de cidades, moradias e de vidas exigirá planejamento, dinheiro e obras. Quem vai fazer isto? Os políticos?

Será que os agricultores vão ter coragem de plantar uma nova safra sem pelo menos a esperança de colher, no ano que vem?

Um velho ativista climático preconizava, há uns 20 anos, que até 2050 o Rio Grande do Sul seria um lugar inabitável. E dizia isto porque, naquela época, o risco previsível era o eventual buraco na camada de ozônio. Ele garantia que a posição do estado favoreceria uma tal incidência de luz solar que, se as pessoas não fossem embora, morreriam de câncer de pele.

Errou. Mas o clima, que ele tanto temia, atacou de outra forma. A natureza canalizou os rios aéreos da Amazônia todos para o centro do Rio Grande, atraídos para um gigantesco fenômeno de baixa pressão. Uma barreira frontal travou as nuvens e o dilúvio foi inevitável, um dilúvio que desaguou sobre o norte e o centro do estado.

A dívida que já empobrecia a província, foi prorrogada por três anos. Mas continuará lá, como um fantasma. As pessoas vão ficar mais pobres e a economia certamente vai sentir os efeitos desse empobrecimento.

A essa dívida, será acrescido o custo da reconstrução, ainda desconhecido.

Não são nada boas as perspectivas para o meu Rio Grande do Sul.

PS: Vi a imagem dos moradores de Candelária improvisando uma estrutura de madeira para possibilitar a passagem sobre um rio, depois que a ponte foi levada pela enchente.

Inacreditavelmente a “concessionária” que administra (e é claro, lucra com a estrada) retirou a estrutura, porque ela oferecia riscos…

Ainda bem que a população reagiu e refez a “pinguela” (era assim que chamávamos antigamente). Era perigoso, mas era uma boa aventura, passar por uma pinguela, sobre as “sangas”.

Me desculpe a tal concessionária… mas riscos oferecia a ponte, que não resistiu à enxurrada!

Muito da grandeza do país se deve à engenharia do machado e a carpinteiros criativos. Meu respeito à população de Candelária que colocou foco na solução e não no problema.

Umberto de Campos, Jornalista, Especialista em Neuropsicologia

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