Adroaldo Galeazzi, 90 anos de idade, trabalhou 32 anos na administração do Porto de Porto Alegre, a uma distância de 20 metros do Cais. Exerceu a função de Supervisor Administrativo. Ele contou ao Repórter Brasília, episódios que poucos gaúchos conhecem sobre as tentativas de evitar que nas cheias do Guaíba, como ocorreu em 1941, e está acontecendo agora, as águas invadissem o centro de Porto Alegre (Crédito: Daniella Calleya Barcellos, Especial, Agência Digital News/ Portal Repórter Brasília)
Ainda sem resposta
Adroaldo Galeazzi, com voz firme e uma lucidez invejável, afirmou: “meus olhos viram tanta coisa que não dá nem para confirmar o número. Tive oportunidade de ver enchentes, secas, ventanias, e muitos comentários de pessoas, de técnicos, arquitetos, de como fazer, o que fazer. Chegou o momento de termos uma calamidade, realmente inusitada, uma calamidade de proporções gigantescas e continuam os questionamentos, sem resposta”.
Ligação Lagoa dos Patos
“Existe uma história que eu duvido que 5% dos porto-alegrenses sabem”, pontuou Adroaldo Galeazzi. “Na década de 60 quando o Estado era governado por Leonel Brizola, ele embasado num pensamento (eu só não me lembro do nome do imperador), no século 19, este imperador já queria abrir um canal de comunicação entre Lagoa dos Patos com o Oceano Atlântico. Brizola assumiu o desafio e fez a proposta andar”.
Apoio da França e Holanda
“Talvez não tenha sido executada em função das condições precárias daquela época”, avalia Galeazzi. Buscando uma solução, “o Brizola então, assentou-se sobre essa hipótese, essa ideia, e agregou outras vantagens de se fazer um canal ligando a Lagoa dos Patos, com o Oceano Atlântico. Ele encomendou, de uma firma francesa, a realização deste estudo”.
No começo da obra, a revolução
“Simultaneamente a essa atitude de esvaziar o Guaíba, Leonel Brizola adicionaria mais dois ou três elementos que ele achava interessante. Foi feito um contrato, com essa firma francesa. A Holanda foi fiadora dos custos dessa operação, estava tudo bem encaminhado, foi realizado o estudo. No momento em que haveria a possibilidade do Brizola já começar a obra, veio a revolução dos militares e Brizola, por sua vez, teve que sair do Estado, foi embora, foi exilado, foi para o Uruguai”. Os militares assumiram os postos políticos do Brasil e o projeto que começaria a ser desenvolvido, parou”.
Ninguém sabe que fim levou
O governador do Estado, naquela ocasião, Euclides Triches mandou buscar o projeto, conta Adroaldo Galeazzi. “O projeto veio, esperava-se então que ele se pronunciasse quando ia iniciar ou não a obra. Eis que, por surpresa, até hoje, ninguém sabe que fim levou o projeto”, lamenta. “Diziam que estava guardado na administração do Porto de Porto Alegre. Entretanto, ninguém mais falou e silenciou-se sepulcralmente. Não se sabe se ele existe ainda ou não”.
Solução eterna
Para Galeazzi, a obra a ser construída por Brizola, no entendimento do ex-governador, poderia ser a solução “eterna” para que o município, aliás, a periferia de Porto Alegre jamais fosse atacada por uma enchente dada as condições que foram exigidas para a abertura do canal”.
Silêncio Sepulcral
“Se há enchente, hoje, em Porto Alegre, é que um fala uma coisa, tem que fazer isso, tem que fazer aquilo”, específica Adroaldo Galeazzi, “mas não se houve um pio sequer a respeito deste projeto feito pelos franceses e encomendado por Brizola. Silenciou-se sepulcralmente”.
Projeto pouco conhecido
“Eu fico surpreso então quando falam que é o arquiteto tal, que é o engenheiro tal, que tem soluções para o problema, mas ninguém menciona o projeto de Brizola, e que tenho certeza poucos porto-alegrenses sabem dessa tentativa do ex-governador Leonel Brizola de implantar um projeto para permitir a ligação da Lagoa dos Patos com o Oceano Atlântico”.
Outras vantagens
“Além da preservação do nível da Lagoa dos Patos, outras vantagens seriam proporcionadas pela obra determinada por Brizola. Ele queria agregar a preservação do nível da Lagoa, e evitar os problemas de enchentes em Porto Alegre. A obra agregaria “duas outras alternativas sensacionais” e que, na previsão dele transformaria Porto Alegre, numa Capital, de extrema importância”.
Calado para navios de grande porte
“O canal iria ter calado para navios de grande potência, de grande capacidade de carga”, acentua Galeazzi, que acrescenta: “foi um estudo, os navios para chegar em Porto Alegre, uma referência era Tramandaí, por onde os navios vindos da Europa, passavam ao largo e teriam que ir até Rio Grande. De Rio Grande, vir à Porto Alegre, realizar as operações ou de recebimento ou de carregamento, depois, voltar para Rio Grande e subir novamente ao Atlântico”.
Economia de 600 quilômetros
“Se houvesse uma ligação, com Porto Alegre aonde ele pretendia fazer, haveria uma economia de aproximadamente 600 quilômetros. Isso representaria uma economia de tempo e de despesa”, acentua Adroaldo Galeazzi. “Paralelamente a isso teve contato com o Chile e com a Argentina. O Chile ficou entusiasmado com esse projeto, porque um navio vindo da Europa vai ter que ir até o Polo Sul, no Estreito de Magalhães, depois subir o Pacífico, fazia suas operações normais, depois voltava para o Estreito de Magalhães, rumo a Europa. Daria uma economia de aproximadamente de 10 mil quilômetros”.
Ferrovia Santiago do Chile/Porto Alegre
Outras vantagens narradas por Adroaldo Galeazzi, que beneficiaria o Rio Grande do Sul é que “eles então fariam uma ferrovia de Santiago do Chile à Porto Alegre. Num dia, o trem entrava aqui, pegava a mercadoria e voltava. A mesma coisa com a produção agrícola da Argentina. Tudo isso aí, ia representar para Porto Alegre, um incremento operacional verdadeiramente fantástico, sob o ponto vista hídrico sob o ponto de vista, inclusive, econômico e populacional, porque as empresas do Chile, eu tive oportunidade de ver empresas do Chile, sondando a periferia de Porto Alegre, para a instalação de hangares de armazenamento, instalação de pessoas que viriam trabalhar aqui e a mesma coisa com a Argentina. Iria proporcionar à Porto Alegre, uma dinâmica operacional sensacional”.
Navios transatlânticos de turismo
Mais vantagens: o canal teria condições de trazer à Porto Alegre, navios transatlânticos, de turismo, destaca Galeazzi. “Também outra operacionalidade, que ninguém sabia, e os franceses me informaram isso, ao lado do canal, com o registro também na Holanda, haveria um trajeto chamado de escadinha para os peixes do mar, virem desovar, na Lagoa dos Patos, transformando-a num pesqueiro simplesmente maravilhoso, que desenvolveria até inclusive, indústrias relacionadas com a atividade do peixe”.
Linha imaginária Rio Grande/Vacaria
Questionado sobre o Porto de Rio Grande, Galeazzi afirmou que, mantinha, dentro de sua atividade, muito relacionamento com o Porto de Rio Grande, Ele revelou que “os militares traçaram uma linha imaginária Rio Grande à Vacaria. Com a produção da linha essa, sentido ao Oceano Atlântico, operaria em Porto Alegre. A outra parte, toda ela, trabalharia com o Super-Porto de Rio Grande. Realmente, isso funcionou até certo ponto, com a crise do petróleo, foi uma verdadeira locação no mundo inteiro sobre operações hidroviárias dentro do país”.
Parte hidroviária morreu
“O navio, para vir à Porto Alegre, ele não poderia vir com toda a carga máxima, porque encalharia. Não há canais que dessem cobertura a isso. Então, o canal Lagoa dos Patos com Atlântico proporcionaria uma dinâmica em termos de distância, de operacionalidade e, hoje, Porto Alegre, praticamente, morreu a parte marítima, ou seja, hidroviária, haja visto, que os armazéns, 80% estão literalmente desativados. Até parece uma linha fantasma”.
Porto de Rio Grande funcionando
“O porto de Rio Grande está funcionando como foi previsto pelos miliares naquela ocasião”, atesta Adroaldo Galeazzi. “Aquele canal ia trazer uma mutação no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, algo verdadeiramente fantástico”.
Ainda sem solução
Enfim, a razão, até agora, não se sabe, mas sobre o projeto, silêncio total. “Não sei que razões aconteceram para que isso ocorresse”, conclui Adroaldo Galeazzi, que, por 32 anos viveu, de perto, as emoções do Porto de Porto Alegre, onde o Rio Guaíba, agora, Lago Guaíba, deixa cada vez mais a população e autoridades apreensivas com as cheias, ainda sem solução. “Não sei se projeto feito a pedido de Leonel Brizola, ainda existe ou se foi defenestrado, sei lá. Mas foi uma pena, se ele estivesse aí, e hoje com a calamidade que nós estamos passando, alguém poderia se utilizar desse projeto e dar andamento. Na situação atual, que nós estamos vivendo, há alguns navios que, inclusive, na área portuária, de atracamento que foi desmembrada, trazem poucas mercadorias, em pequena quantidade, traziam antes, cevada para cervejaria Brahma”.
Navios quase vazios
“A gente nota que os navios, vem quase vazios”, afirma Galeazzi, “porque senão batem no fundo, encalham. Esse era um dos problemas antigamente sobre cargas mais pesadas. Eu embarquei, no período que estive no porto, quase 50 mil toneladas de soja. Eles podiam carregar, no máximo, três, quatro mil toneladas para não encalhar. A obra pretendida por Leonel Brizola, permitiria que viessem à Porto Alegre, cargueiros de 15, 20 mil toneladas, sem problema nenhum”, acentua o ex-diretor administrativo do Porto gaúcho.
Megalópoles Cosmopolita
“Tudo parou. Talvez o problema tenha sido político”, admite Adroaldo Galeazzi. Ele avalia que, “Porto Alegre, se transformaria numas megalópoles cosmopolitas e iria crescer assustadoramente. Não sei se houve interferência política, mas a coisa morreu totalmente. Vieram outros governadores e nada foi feito. Hoje, com meus 90 anos, fico até revoltado em ver o que está ocorrendo no Rio Grande do Sul, principalmente, no perímetro periférico de Porto Alegre, uma coisa que era para ter sido resolvida há mais 60 anos. Ninguém teve a capacidade de lá para cá, de fazer algo, semelhante a ideia do Brizola. Falam que tem que fazer um dique, tudo bobagem”. Galeazzi conclui que, fica sentido em ver esse resultado de guerra que está ocorrendo em cidades próximo a Porto Alegre. “Tudo isso não precisava ter existido se não tivessem tirado o Brizola daqui”.
Sem envolvimento político
Adroaldo Galeazzi nunca se envolveu em atividade política. Disse que sua área era comercial e industrial, “minha atividade é de ciências contábeis. No Porto eu era supervisor administrativo de toda a mercadoria, de cereais, que entrava e que saia, operei mais de 1.800 navios nesse período”.
A Coluna Repórter Brasília é publicada simultaneamente no Jornal do Comercio, o jornal de economia e negócios do Rio Grande do Sul.
Edgar Lisboa
Brizola era um estadista muito à frente do seu tempo! Ótima reportagem!
BRIZOLA um grande e honesto político.
Sempre a frente do seu tempo