Ele enfrentou a ditadura militar, coordenou o movimento por eleições diretas para presidente da República, liderou a bancada governista na aprovação do Plano Real, apresentou quase mil proposições e proferiu discursos contundentes. Descendente de libaneses, gaúcho de Caxias do Sul e devoto de São Francisco de Assis, o advogado e professor Pedro Jorge Simon cumpriu mais de 50 anos de vida pública — 32 deles dedicados ao Senado.
Dez anos após o último pronunciamento no Plenário, Simon retorna à Casa que o projetou no cenário político nacional para uma entrevista à TV Senado. Ele é um dos ex-parlamentares homenageados nas comemorações dos 200 anos de criação do Senado — celebrados no dia 25 de março. Aos 94 anos, Simon conserva a lucidez e a argúcia que marcaram os quatro mandatos como senador (1979-1987, 1991-1999, 1999-2007 e 2007-2015).
Ele nasceu em 31 de janeiro de 1930. Aos 30 anos, foi eleito pela primeira vez como vereador da cidade natal. Depois disso, exerceu quatro mandatos seguidos de deputado estadual (1963-1979) e um de governador (1987-1990), além de ter sido ministro da Agricultura (1985-1986) do então presidente da República José Sarney.
No Senado, Simon testemunhou um período conturbado da história do Brasil. Desempenhou um papel de resistência à ditadura militar e, com a retomada do período democrático, foi líder do governo do presidente Itamar Franco durante a discussão e a implantação do Plano Real.
— O tempo passa. Foram 32 anos, um ano atrás do outro. O Plano Real foi o mais importante da história do Brasil. Teve plano disso, plano daquilo. Mas o Real fez, mudou. Foi uma coisa linda. O Congresso agiu [de forma] espetacular num ambiente o mais respeitável possível. A oposição, todo mundo participou, discutiu e votou. Foi o projeto mais bonito que o Congresso votou e que até hoje está se realizando nas coisas boas. O Congresso votou como quis, mas ouviu todas as pessoas, e a coisa deu certo — lembrou, durante a entrevista.
Proposições
Pedro Simon apresentou 998 proposições ao longo dos quatro mandatos como senador. Entre elas, 139 propostas de emenda à Constituição e 328 projetos de lei. O parlamentar foi o autor da chamada PEC da Bengala (PEC 42/2003), promulgada como Emenda Constitucional 88. Ela elevou de 70 para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória de servidores públicos.
Seis projetos do parlamentar gaúcho foram sancionados como leis. Simon propôs a Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância (Lei 11.523, de 2007) e a garantia de sigilo para autores de denúncias formuladas ao Tribunal de Contas da União (Lei 13.866, de 2019).
Ele também foi o autor do número único de registro civil (Lei 9.454, de 1997) e da norma que assegurou a instalação de municípios criados antes de 1996 (Lei 10.521, de 2002). Simon concebeu ainda a lei que atribui à Justiça do Trabalho a competência para julgar dissídios entre trabalhadores avulsos e empregadores (Lei 7.494, de 1986) e o incentivo à industrialização de veículos de transporte coletivo (Lei 8.673, de 1993).
Mesmo com uma relevante produção legislativa, ele avalia que a principal atribuição do Senado é outra: a fiscalização do Poder Executivo.
— Apresentei muitos projetos, aqui discutidos e debatidos. Mas acho que a coisa mais feliz que existe é Câmara e Senado. Principalmente o Senado, com essa missão que ele tem de exercer a fiscalização do governo federal. É claro que o deputado tem uma razão, mas a capacidade de ele agir é um pouco inferior à do senador. Os senadores são 81. O Senado é a discrição, é a capacidade, é a serenidade de dizer: “isso é bom, isso é ruim”. Comissão parlamentar de inquérito não é apenas para fazer oposição, é para investigar um fato. Se ele existe, se ele não existe — destacou.
Diretas Já
Na entrevista, Pedro Simon salientou o papel do MDB — partido ao qual é filiado desde 1966 — na construção da reabertura democrática. Ele lembrou que, em 1977, quando ainda era deputado estadual, a legenda resistiu a uma proposta de reforma do Poder Judiciário imposta pela ditadura militar. A resposta do então presidente Ernesto Geisel foi o chamado Pacote de Abril, que, entre outras medidas, fechou temporariamente o Congresso Nacional.
— Nós do MDB fizemos uma grande movimentação para a abertura democrática. No meio de toda aquela confusão, houve uma radicalização dentro da ditadura. Foi quando o governo mandou para o Congresso uma reforma, uma modificação no Poder Judiciário. O MDB resolveu fazer uma oposição e alterar o projeto. Mudamos o projeto, e o governo reagiu. Fechou o Congresso, fechou a Câmara, fechou o Senado — recorda.
Já como senador, Pedro Simon foi o coordenador nacional do movimento Diretas Já, criado em 1983. Na luta pela retomada de eleições diretas para presidente da República, o parlamentar esteve em manifestações populares ao lado de nomes como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Mário Covas e Leonel Brizola.
— Aí, foi um crescendo. Veio crescendo, veio crescendo. Rio de Janeiro, São Paulo… Resultado? O presidente [João Baptista Figueiredo] brigou com o Aureliano [Chaves], que era vice. Não aceitou o Aureliano [como candidato a] presidente. Saiu um novo candidato a presidente [o então deputado federal Paulo Maluf]. Trouxemos [José] Sarney para o MDB. Lançamos Tancredo [Neves] presidente e Sarney vice. Ganhamos no colégio eleitoral. E aí, começou a mudar tudo. Foi avançando, foi avançando, foi avançando. Chegou hoje. Graças a Deus, houve uma abertura — celebra.
Em um momento de autocrítica, Simon reconhece que cometeu um erro como parlamentar: ter sido contrário à criação da TV Senado. A emissora foi inaugurada em 1996, no primeiro mandato de José Sarney como presidente da Casa.
— Era contra a TV Senado. Isso é ridículo, não tem nada a ver. A sobriedade do Senado, a importância do Senado vai desaparecer porque o cara vai querer aparecer na televisão? Na verdade, o Executivo e os que dominavam na época eram contra porque sabiam que ia mudar. Hoje, o Senado é outra coisa. Eu vejo a Comissão de Assuntos Sociais [CAS], que passou anos sem se reunir, não tinha ninguém. Não tinha nenhuma notícia. Hoje, na segunda-feira, está lotado de gente presente e para assistir — celebra.
‘Confusão’
Para Pedro Simon, a retomada da democracia apresentou ao Brasil um novo desafio: a construção do equilíbrio e da harmonia entre os três Poderes.
— Democracia é um governo ruim, mas melhor que qualquer outro. Na verdade, é uma instituição em que todos têm os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades. Na democracia brasileira, nós temos três Poderes. O Executivo, que executa. O Legislativo, que legisla. E o Judiciário, que julga. O que é democracia para valer? Cada um na sua posição. O Congresso legislando, tendo força para legislar — afirmou.
Como sempre mordaz, Pedro Simon criticou o avanço dos outros dois Poderes sobre as atribuições do Parlamento. Para o ex-parlamentar, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto têm que “voltar para o seu lugar”.
— O Supremo tem que ficar um pouco mais no seu lugar. Tem coisas que o Supremo pode fazer e deve fazer em termos de ética, de moral, de [combate à] corrupção, em termos do conjunto da sociedade brasileira. Mas tem outras coisas que quem tem que fazer é a Câmara dos Deputados. E tem outras que o Senado, na sua posição, tem que fazer. Cada um voltar para o seu lugar, a começar pelo Executivo — salientou.
Para Simon, o Brasil ainda precisa resolver “uma confusão” gerada após o fim do bipartidarismo existente no regime militar: a profusão de siglas partidárias. O país tem 29 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
— O Brasil vive uma confusão muito delicada. Neste momento, temos um número exagerado de partidos, não pode acontecer isso. Veja: nos Estados Unidos, tem dois partidos. Em Inglaterra, tem uma série de partidos, mas os partidos estão consistentes para se organizar. Para ter vida política e partidária, tem que ter uma série de condições. E eles não preenchem — afirmou.
Repórter Brasília/*Com informações da Agência Senado