O Servir e o Ser Servido (Elias Brito Júnior)

Elias Brito Junior/Divulgação

Há uma frase atribuída ao estadista, líder espiritual e político Mahatma Gandhi, que diz: “quem não vive para servir, não serve para viver”. Para ele, que serviu a tantos, a vida só tem significado quando é dedicada ao serviço do próximo. Ao meu ver, servir ao outro, é a primeira vocação do ser humano. À semelhança de Jesus, que mesmo sendo o Senhor de tudo, não veio a este mundo “para ser servido, mas para servir”, quem queira fazer parte do Reino de Deus tem que estar disposto a servir.
Nos primórdios da igreja cristã, e quiçá até os dias de hoje, haviam atitudes de alguns da membresia que não entendiam perfeitamente este princípio basilar da fé. Diziam ser todos iguais, mas alguns queriam ser “mais iguais do que os outros”. O evangelista Mateus, no capítulo 20, relata uma desavença de conceitos, que exigiram a pronta intervenção do Mestre. Senão, vejamos:
“Quando os outros dez discípulos ouviram isso, ficaram indignados com os dois irmãos.
Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: — Vocês sabem que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles.
Mas entre vocês não será assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vocês, que se coloque a serviço dos outros; e quem quiser ser o primeiro entre vocês, que seja servo de vocês; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” (Mateus 20.24-28)
Todo ser humano foi vocacionado por Deus para servir. A prática do serviço cristão não pode se reduzir ao ambiente do exercício da fé, mas precisa se manifestar em todas as nossas dimensões de vida. No âmbito da família, o apóstolo Paulo nos ensina: “Se alguém não tem cuidado dos seus e, especialmente, dos da própria casa, esse negou a fé e é pior do que o descrente.” (1 Timóteo 5.8)
Nas relações com o próximo, o livro de Hebreus nos relembra: “Porque Deus não é injusto para se esquecer do trabalho que vocês fizeram e do amor que mostraram para com o seu nome, pois vocês serviram e ainda estão servindo aos santos” (Hebreus 6.10). Até no convívio com aqueles que nos antagonizam, ou até se dizem inimigos, Jesus determina: “Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês.” (Mateus 5.44)
No campo do exercício profissional, tendo o cuidado de não cometer anacronismos, e entender as relações de trabalho vigentes àquela época, o apóstolo Paulo tem uma dimensão da prestação do serviço que é um referencial até os dias de hoje: “Servos, obedeçam em tudo a seus senhores aqui na terra, não servindo apenas quando estão sendo vigiados, visando somente agradar pessoas, mas com sinceridade de coração, temendo o Senhor. Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor e não para as pessoas, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo (Colossenses 3.22- 24). Já fui, e sou, empregado, servidor público, gestor, diretor e exerci cargos na área de recursos humanos, e posso lhes garantir que o empregado exemplar, é aquele que pratica este ensinamento de dois mil anos. É atualíssimo.
Aplicando o princípio do serviço, para o “outro lado da mesa”, na função de chefe, gestor, líder espiritual ou qualquer outra função de comando, as palavras de Pedro são plenamente aplicáveis nos nossos dias: “que pastoreiem o rebanho de Deus que há entre vocês, não por obrigação, mas espontaneamente, como Deus quer; não por ganância, mas de boa vontade.” (1 Pedro 5.2)
Do prisma meramente humano, é muito difícil ser alguém que serve dentro destes parâmetros bíblicos. Mas não podemos nos esquecer que Deus dá dons e talento aos homens para que sirvam adequadamente. Para o serviço no âmbito da família e com o próximo, ele pode conceder os dons de sabedoria, liderança, exortação, cura, ensino, liberalidade, socorro, hospitalidade, entre tantos outros que o Espírito Santo pode outorgar, bastando para isso que peçamos.
Já no exercício do serviço profissional, espiritual e ministerial, há dons e talentos que podem vir em nosso auxílio. Além da liderança e sabedoria, palavra de conhecimento, misericórdia, há os dons específicos de serviço citados em Romanos 12. Um dom, em particular, que eu nas minhas atividades de gestor, sempre peço a Deus, é o dom de discernimento de espíritos. De modo geral, pensamos que ele se limita ao âmbito da vida religiosa, mas eu creio que ele pode ser muito útil no ambiente de trabalho. Já imaginou que o Espírito Santo pode te revelar que aquele fornecedor está com más intenções, ou que um subordinado pode estar faltando com a verdade? Imaginem um juiz no labor do serviço da Justiça, com este discernimento extra, que consiga distinguir o que há de verdade na fala do réu, ou de uma testemunha.
A prática do servir é um imperativo para o cristão. Mas, talvez reconhecendo uma dificuldade pessoal que tenho, há um aspecto no serviço que não costuma ser muito explorado. Trata-se da dificuldade, de alguns, em ser servido.
Pode parecer óbvio que a atitude de servir, implica a existência do indivíduo que é servido. Por razões ligadas à sua formação, a maneira como foi educado, ou doutrinado, e até mesmo por sentimentos de baixa autoestima, alguns sentem muito incomodados em serem objeto da prestação do serviço alheio. Justificativas como: “não quero ser pesado a outros”; “não sou merecedor de especial atenção”; “há quem precise de maior atenção do que eu”; ou ainda, “eu não posso me ensoberbecer”, podem trazer constrangimentos a quem esteja sendo lisonjeado pelo próximo. Não estou falando da “falsa humildade”. Refiro-me ao real incômodo de depender de outrem.
Quem se dispõe a servir, em algum tempo será servido, e deve buscar e demonstrar a satisfação em ser distinguido. A aceitação da prestação de serviço, terá como consequência o desenvolvimento do sentimento de humildade e a confirmação de que todos nós somos interdependentes. O apóstolo Paulo tinha este entendimento: “Eu sou devedor, tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes”. (Romanos 1.14)
Ainda que você, de fato, não esteja precisando naquele momento do serviço/dádiva que lhe está sendo oferecido, aceitá-lo de bom grado eleva a autoestima e o sentimento de pertencimento e utilidade de quem se dispõe a servir ou doar, e cria entre os dois um sentimento de mútua satisfação e comunhão. Quando eu aceito ser servido, cria-se um círculo virtuoso: o servir – o ser servido – o resservir.
Ao concluir, gostaria de relembrar a orientação de Jesus aos seus discípulos em Marcos 9.35: “E Jesus, assentando-se, chamou os doze e lhes disse: — Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos”. O que me saltou aos olhos, é a afirmação do Mestre de que é lícito querer ser o primeiro (ser servido), desde que antes esteja disposto a servir.

Elias Brito Júnior é um servo do Senhor Jesus

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