Na maior enchente da história do Rio Grande do Sul, jornais do interior do Estado ampliaram suas coberturas e liberaram acesso da população a informações cruciais em tempo de crise climática, abrindo seus paywalls (acesso pago) e reforçando as edições digitais.
A exemplo de milhares de empresas gaúchas, muitos diários enfrentam o sofrimento de membros de suas equipes desalojados pelas águas, além de danos a equipamentos e perdas de receitas pela queda de publicidade e pela dificuldade de levar as edições impressas às comunidades.
Redação da Zero Hora, em Porto Alegre, foi afetada pelas inundações — Foto: Marcelo Rech / ANJ, para O Globo.
Foi o que aconteceu em Pelotas, em um dos jornais mais antigos do estado, o Diário Popular, filiado à Associação Nacional de Jornais (ANJ). “Não estamos imprimindo desde o dia 6, quando o parque gráfico da RBS foi obrigado a paralisar seus serviços”, diz o diretor-executivo da empresa, Régis Martin Nogueira. Mesmo se tivesse conseguido imprimir, prossegue ele, o jornal não chegaria até os assinantes. “Temos muitas regiões alagadas aqui em Pelotas, na Zona Sul, em função da cheia da Lagoa dos Patos. A gente não teria acesso para fazer a entrega dos jornais”.
Sem uma edição diária impressa, afirma Nogueira, o Diário Popular tem perdido assinantes e não tem faturado com anúncios, sobretudo do varejo, e com editais. “Para reduzir os impactos das enchentes, abrimos o paywall e estamos publicando uma quantidade maior de conteúdos, inclusive em lives nas redes sociais, mas as receitas no digital estão longe dos resultados que temos no impresso”, lamenta o diretor-executivo.
“As estradas desapareceram”
A tragédia que assola o Rio Grande do Sul também causa prejuízos para o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, cuja central de impressão roda outros 25 periódicos da Fronteira Oeste, da Zona Sul e da região Central do Estado.
“As estradas simplesmente desapareceram”, diz Eladio Vieira da Cunha, diretor do Jornal do Povo, um dos membros da ANJ no Estado. Em Cachoeira do Sul, a Ponte do Fandango resistiu, mas a água passou por cima do asfalto da principal via de acesso à cidade.
“Para imprimir jornais a outras cidades são necessários não só equipamentos e estrutura de funcionamento, mas também uma logística de entrega muito especial para garantir a colocação do jornal de manhã cedo nas respectivas cidades”, explica Vieira da Cunha. “Infelizmente, foi perda de faturamento para nós e, mais grave ainda, a impossibilidade de circulação dos jornais que a gente atende aqui”, completa.
O Jornal do Povo, que privilegia o hiperlocalismo, continua a ser impresso e a circular normalmente, pelo menos enquanto durarem os estoques de papel, chapas e tintas. “Estávamos ilhados até sexta-feira (10). Agora abriu uma rota para Porto Alegre, mas a viagem aumenta dos 196 quilômetros normais para 550 quilômetros”, explica o executivo.
“Aos poucos as estradas vêm sendo recuperadas e a gente vai achando caminhos para conseguir retomar a impressão desses jornais conforme os contratos vigentes”, emenda com uma dose de otimismo. Depois de submersa, a Ponte do Fandango foi reaberta nesta terça-feira (14). A BR 153 agora é uma rota emergencial entre a zona urbana e a BR 290.
Circulação comprometida
O Correio do Povo, no centro de Porto Alegre, não circulou pela segunda vez, em sua aua hiastória. A primeira foi em 1941.
Já a Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, também associada da ANJ, por sua geografia, encontrou outro caminho. “Continuamos imprimindo o nosso diário e outros de cidades com acesso a nossa. Passamos ainda a imprimir, temporariamente, jornais que não estão conseguindo rodar na RBS, em Porto Alegre, como é o caso do Diário de Santa Maria”, afirma André Luís Jungblut, diretor-presidente do jornal.
No que diz respeito à circulação, a Gazeta do Sul vem sendo distribuída normalmente na cidade, mas sofre problemas no interior do município. Em regiões como a área conhecida por Várzea o jornal não tem circulado. Neste momento, Santa Cruz do Sul não tem acesso direto a Porto Alegre.
Pior enxurrada
Talvez a situação mais crítica entre os jornais do interior do Rio Grande do Sul seja a do grupo A Hora, de Lajeado, no Vale do Taquari, fortemente atingido pelas cheias do rio.
“A gente tem tomado uma decisão sensata, pragmática, porque não temos muito o que fazer”, afirma Adair Weiss, diretor-executivo da empresa. “Estamos há 15 dias sem imprimir o nosso diário, A Hora, que vai para 48 cidades do Vale do Taquari, e algumas até de fora dessa área, porque nós não temos possibilidade logística de entrega em mais de 50% dos locais”, destaca.
Segundo Weiss, outra preocupação é com os colaboradores do jornal. “Nós temos o problema dos nossos entregadores, eles não podem entrar em ruas cheias de lama, é um perigo muito grande e, por isso, nós preferimos fazer a edição apenas online até o presente momento”.
Enquanto não retoma a impressão e distribuição do jornal, o grupo A Hora tem fortalecido a programação de sua rádio (102.9) e de seu portal na internet (grupoahora.net.br). Mas nem isso tem sido fácil. “Nós ficamos 12 dias sem energia elétrica, funcionando com geradores próprios para manter a emissora de rádio no ar e nossas unidades produtivas para o portal”, ressalta Weiss. “Tudo isso facilita, mas não é a mesma coisa. A leitura do jornal impresso é um hábito das pessoas do Vale do Taquari e as pessoas estão sentindo falta”.
A redação também se desdobra em um esforço gigantesco para manter a população informada. “Nossos repórteres foram isolados e ilhados em uma região que antes era completamente integrada. Dezenas de pontes foram arrancadas. Tudo nos forçou a adotar estratégias inéditas”, relata o jornalista.
“Tivemos colegas que perderam suas casas, que dormiram na casa de amigos e abrigos. Em meio a tanto caos mantivemos a serenidade e prestamos todos os serviços possíveis. Em alguns momentos viramos uma extensão da defesa civil, pois nada pode ser mais importante para nós do que recuperar a vida e a esperança da nossa gente”.
Força-tarefa
Com o parque gráfico no mesmo imóvel onde está sua sede e redação na avenida João Pessoa, em Porto Alegre, o Jornal do Comércio (JC), outro associado à ANJ, não teve suas instalações inundadas pela cheia histórica em Porto Alegre. Assim, conseguiu manter a circulação da edição impressa todos os dias.
Paralelamente, foi montada uma força-tarefa envolvendo profissionais de todas as editorias para fazer uma cobertura em tempo real para a edição on-line, com ampla produção de conteúdo em texto e vídeo, nos sete dias da semana.
Nesse período, também foi liberado o acesso de todos os conteúdos sobre as enchentes e seus desdobramentos para não assinantes, permitindo, assim, que um público maior possa acessar as informações apuradas e checadas pelos profissionais do JC.
“Estamos conseguindo produzir um volume expressivo de informações todos os dias, com excelente retorno dos leitores”, diz Guilherme Kolling, editor-chefe do diário.
“Com engajamento de toda redação – que assim como a população de Porto Alegre não está imune às adversidades dessa enchente histórica -, estamos conseguindo checar a veracidade de muitas informações que estão circulando, além de garantir prestação de serviço sobre o abastecimento de água, por exemplo, informação de utilidade pública e conteúdos mais aprofundados e analíticos”, afirma Kolling.
Em Porto Alegre, os jornais mais atingidos são a Zero Hora e o Correio do Povo, que tiveram os parques gráficos inundados e se viram obrigados a evacuar as redações. Conforme relatado na semana passada, o Grupo Sinos, de Novo Hamburgo, se prontificou a imprimir alguns milhares de exemplares de Zero Hora e do Pioneiro, de Caxias do Sul, enquanto o parque gráfico da RBS seguir
Portal Repórter Brasília, Edgar Lisboa/ Por Helio Gama Neto/ANJ