Deus não conhece os Códigos Civil e Penal (Elias Brito Júnior)

Elias Brito Júnior/Divulgação

Sempre que eu tenho a oportunidade de conversar com algum operador do Direito, especialmente aqueles que professam a fé cristã, eu gosto de comentar o quanto Deus é um ser ignorante dos conteúdos dos Códigos Civil e Penal, e também dos seus respectivos códigos de processo.

Como é sabido, ou deveria sê-lo, a justiça humana não tem compromisso em realizar a Justiça, com “J” maiúsculo. O Direito Positivo, adotado na nossa cultura jurídica, tem como compromisso, primeiro, fazer cumprir o que está escrito na Lei. Atende apenas a realizar o que for legal, o que estiver expressamente positivado.
Mas nem sempre, ou poucas vezes, o legal é o que é justo. O cumprimento da lei humana, não nos torna justos diante de Deus, apenas baliza nossas condutas diante dos homens. Jesus, em diversas oportunidades, alertou os seus discípulos para esse ledo engano. Aos chamados mestres da lei, Jesus os condena por suas posturas vestais: “Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque sois parecidos aos túmulos caiados: com bela aparência por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e toda espécie de imundície! Assim também sois vós: exteriormente pareceis justos ao povo, mas vosso interior está repleto de falsidade e perversidade”. (Mateus 23.27-28)
O que é reconhecido pela Lei nem sempre atende ao Direto Natural, concedido pelo Criador às suas criaturas. Durante séculos a posse de escravos era legal em diversas culturas. A legalidade nem sempre é justiça. Muitas atrocidades foram promovidas dentro da lei formal, como a escravidão, a segregação racial, o tolhimento à liberdade civil ou religiosa, o nazismo de Adolf Hitler, a limitação ao direito de ir-e-vir, o veto à liberdade de expressão, o desrespeito à propriedade privada, entre tantos aviltamentos ao direito dos indivíduos ou grupos da sociedade.
Ainda hoje, há legislações vigendo que permitem o aborto, o encarceramento de inocentes, desrespeito ao direito de posse e exploração dos próprios bens, adquiridos de maneira legal, entre outras injustiças legalizadas. Segundo a ONU, sete em cada dez pessoas vivem em países que as leis formais não respeitam o direto natural às liberdades individuais, ou seja, são ditaduras revestidas de uma falsa democracia.
No final de 2022, uma cristã foi detida enquanto orava, silenciosamente, nas cercanias de uma clínica de aborto, na cidade Birmingham na Inglaterra. O legislativo local aprovou uma lei que penaliza quem participe de qualquer ato ou tentativa de aprovação ou desaprovação do aborto, próximo aos centros onde ele é realizado. Ela foi presa e liberada depois de pagar fiança e ficou impedida de conversar com o padre local, envolvido em ações de conscientização antiabortiva.
A Gazeta do Povo, de Curitiba, publicou um texto do colunista Leonardo Coutinho, em 23 de dezembro último, com o título “Enquanto ainda é permitido celebrar o Natal” que concluiu o seu texto com uma atualíssima constatação:
“Ser cristão parece estar se tornando um problema no ocidente. Nas origens da religião, as primeiras comunidades, frente à perseguição, se reuniam nos subsolos de Roma. Nesta semana em que se comemora o nascimento de Jesus Cristo já é proibido fazer celebrações natalinas em escolas de diversos condados dos Estados Unidos. É ofensivo para os não cristãos, dizem as normas”.
A história registra que os cristãos foram mais perseguidos do que defendidos pela justiça humana. Exemplos como: Estêvão, João Batista, o próprio Jesus Cristo, os cristãos da Roma Antiga, os crentes da “Cortina de Ferro”, bem como os irmãos das neoditaduras da atualidade foram, e estão sendo, perseguidos e condenados pelos que têm o compromisso de promover a justiça.
Ainda que a Justiça ocidental seja devedora dos princípios judaico-cristãos, nosso Deus desconhece os meandros dos códigos humanos, porque a sua justiça vai além dos aspectos exteriores e formais do comportamento dos indivíduos. Em sua plenisciência, Ele examina além dos atos, e vê o coração de quem está sendo julgado. “… O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração”. (1 Samuel 16.7)
Sobre essa transcendência da justiça divina, recordo-me do meu pai citando Martinho Lutero, quanto à fragilidade e à falácia do ser humano em fazer julgamentos. Segundo o reformador, nós teremos três surpresas quando chegarmos ao céu. A primeira é que muitos que imaginávamos encontrar no céu, não os veremos por lá. A segunda são os que imaginávamos que não estariam salvos, lá estarão. A última é sobre nós mesmos, com nossas imperfeições e injustiças, merecermos estar no gozo eterno.
Temos honrosos exemplos de cristãos que, destemidamente, lutaram pela liberdade e os direitos civis como: Dietrich Bonhoeffer, Desmond Tutu e Martin Luther King, entre tantos outros. A defesa do que é justo é uma obrigação moral de todo cristão.
Ao concluir, permitam-me um raso “vade mecum” bíblico (não comentado), em que é possível identificar alguns textos que comprovam que os princípios da justiça divina são antigos. Senão vejamos:
“Há duas coisas que o Senhor Deus detesta: que o inocente seja condenado e que o culpado seja declarado inocente”. (Provérbios 17.15)
“Não é direito favorecer os ímpios para privar da justiça o justo”. (Provérbios 18.5)
“Da falsa acusação te afastarás; não matarás o inocente e o justo, e não justificarás o culpado”. (Êxodo 23.7)
“Ai dos que usam o mal como sinônimo de bem e chamam o bem de mal, que fazem das trevas luz e da luz, trevas, do amargo, doce e do doce, fel! ” (Isaías 5.20)
“Quem declarar ao ímpio: ‘Tu és justo!’, será amaldiçoado pelos povos e sofrerá a indignação das nações!” (Provérbios 24.24)
“Não te furtes a fazer o bem a quem de direito, estando na tua mão o poder de fazê-lo”. (Provérbios 3.27)
Elias Brito Júnior é Mestre em Teologia na área de “Igreja e Sociedade”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *