Não pretendo apresentar, neste pequeno espaço, uma análise minuciosa sobre a verdade, mas apenas tecer algumas poucas considerações sobre tão complexo tema. A palavra verdade para os gregos é “aletheia”, para os romanos, “veritas” e para os hebreus “emet”. Feitosa (2016, p. 266) apresenta os seguintes conceitos de verdade: Para os gregos, a verdade “são os seres, a própria realidade visível.” Para os romanos, a verdade “é o rigor do enunciado” e, para os hebreus a verdade “é a crença na fidelidade da promessa”. Segundo HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L.Jr. e WALTEKE, Bruce K. (1998, p. 87), a palavra hebraica para verdade, como mencionado, é “emet” e significa também ‘fidelidade e veracidade. Para esses autores, “[…] não há verdade no sentido bíblico do termo, i. e., verdade válida, fora de Deus. Toda a verdade procede de Deus e é verdade porque está relacionada com Deus”.
Considerações sobre a verdade (Albérico Camelo de Mendonça)
Ao definir a verdade, Platão o fazia seguindo o viés ontológico. Para ele, a verdade era a adequação ou correspondência entre a razão (logos) e o ser, ou do discurso com a realidade. No Evangelho de João, cap. 8, v. 32 Jesus afirmou que ele era a verdade: “Eu sou a verdade”. Isso significa que em Jesus há uma perfeita adequação entre o discurso e a prática.
O capítulo 18, v 38 do Evangelho de João registra que Pilatos perguntou a Jesus: “O que é a verdade?” Em latim: “Quid veritas”. Ou em grego: “Tí éstin aletheia” (na forma transliterada). Percebe-se do mencionado versículo que Pilatos fez a pergunta e não esperou a resposta de Jesus. Saiu e foi falar com os judeus. Desse episódio ocorrido entre Pilatos e Jesus extraímos a primeira consideração: Para acessar a “verdade” é necessário paciência e forte desejo de conhecê-la. Ela não se revela aos precipitados!
Em uma outra ocasião, a Verdade (Jesus) silenciou-se. Em Mt 26: 62 e 63, parte “a”, lemos: “Então o sumo sacerdote levantou-se e disse a Jesus: “62 Você não vai responder à acusação que estes lhe fazem? “63 Mas Jesus permaneceu em silêncio […]” (NVI). Desses versículos podemos tirar a segunda consideração: Em certas situações a “verdade” não se manifesta, mas fica em silêncio. O próprio Jesus, a Verdade encarnada, ficou três dias em profundo silêncio. Várias vezes Jesus disse que o tempo dele ainda não era chegado (Jo 2:4; 7:6). A verdade é humilde, não se ufana, nem se apressa! Somente os que sabem esperar recebem dela a informação que buscam. A verdade não tem pressa em se revelar.
A verdade deve ser dita a quem de direito, no tempo certo e por motivos certos. Isso significa que, ao falar a “nossa verdade”, devemos examinar se estamos falando para as pessoas certas, no tempo certo e se a nossa motivação também é certa. No que se refere à motivação, quantas vezes falamos a “verdade” com o intuito de difamar o nosso próximo!
A terceira consideração é que, segundo Sócrates, a verdade não deve andar sozinha, mas deve ser acompanhada da bondade e da utilidade. Por isso, trago à colação a parábola das Três Peneiras proposta por esse filósofo. Vejamos:
Um homem foi ao encontro de Sócrates levando ao filósofo uma informação que julgava de seu interesse:
– Quero contar-te uma coisa a respeito de um amigo teu! – Espera um momento – disse Sócrates – Antes de contar-me, quero saber se fizeste passar essa informação pelas três peneiras.
– Três peneiras? Que queres dizer?
– Vamos peneirar aquilo que quer me dizer. Devemos sempre usar as três peneiras. Se não as conheces, presta bem atenção.
A primeira é a peneira da VERDADE. Tens certeza de que isso que queres dizer-me é verdade?
– Bem, foi o que ouvi outros contarem. Não sei exatamente se é verdade.
– A segunda peneira é a da BONDADE. Com certeza, deves ter passado a informação pela peneira da bondade. Ou não?
Envergonhado, o homem respondeu:
– Devo confessar que não.
– A terceira peneira é a da UTILIDADE. Pensaste bem se é útil o que vieste falar a respeito do meu amigo?
– Útil? Na verdade, não.
Então, disse-lhe o sábio, se o que queres contar-me não é verdadeiro, nem bom, nem útil, então é melhor que o guardes apenas para ti.
Moral da história: Se as pessoas usassem desses critérios, seriam mais felizes e aplicariam seus esforços e talentos em outras atividades, antes de obedecer ao impulso de simplesmente passá-los adiante.
Na obra “Não tenho fé suficiente para ser ateu”, escrita por Norman Geisler e Frank Turek, o autor apresenta algumas verdades sobre a verdade. Vejamo-las:
A verdade é descoberta e não inventada. Ela existe independentemente do conhecimento que uma pessoa tenha dela (a lei da gravidade existia antes de Newton).
A verdade é transcultural. Se alguma coisa é verdadeira, então ela é verdadeira para todas as pessoas, em todos os lugares, em todas as épocas (2 + 2 = 4 para todo o mundo, em todo lugar, o tempo todo).
A verdade é imutável, embora nossas crenças sobre a verdade possam mudar (quando começamos a acreditar que a Terra era redonda, em vez de plana, a verdade sobre a Terra não mudou: o que mudou foi a nossa crença sobre a forma da Terra).
[…]
A verdade não é afetada pela atitude de quem a professa (uma pessoa arrogante não torna falsa a verdade que ela professa. Uma pessoa humilde não faz o erro que ela professa transformar-se em verdade).
Todas as verdades são verdades absolutas. Até mesmo as verdades que parecem ser relativas são realmente absolutas. (e.g., a afirmação ‘Eu, Frank Turek, senti calor no dia 20 de novembro de 2003’ aparentemente é uma verdade relativa, mas é realmente absoluta para todo o mundo, em todos os lugares , que Frank Turek teve a sensação de calor naquele dia.
Turek arremata: “[…] é possível haver crenças contrárias, mas verdades contrárias é uma coisa impossível de existir”. (2006, p. 38).
A afirmação pós-moderna de que toda verdade é relativa é uma ideia teratológica, uma incoerência, uma aberração, um erro de raciocínio que não se sustenta por si só!
A quarta consideração sobre a verdade é que ela é o atributo da natureza divina em que a existência de Deus e o entendimento de Deus se correspondem eternamente. Deus não é apenas o verdadeiro e o que conhece toda a verdade, mas a própria verdade é a fonte de toda a verdade. Há quem afirme que Deus poderia desejar que alguma coisa que não é verdade passe a ser verdade, por exemplo, Deus poderia decretar que 1 mais 1 sejam 3. Entretanto a verdade não é o resultado da vontade de Deus. Uma coisa não se torna verdade porque Deus assim o quer. Não! É o oposto. A vontade de Deus é o resultado da verdade. A vontade de Deus sempre corresponde à verdade que Ele é. Veja: Dt 32.4 “Ele é a Rocha; suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são justos; Deus é fiel e sem iniquidade; justo e reto é ele”. Jo 14.6 “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”. (MENDONÇA, 2013: 86, 87).
Em linha de arremate, posso afirmar que a verdade transcende o tempo, a geografia e a cultura. Ela “é descoberta e não inventada”. Ela é absoluta e tem o condão de libertar o ser humano das amarras da ignorância e conduzi-lo à vida abundante e produtiva.
REFERÊNCIAS:
As três peneiras de Sócrates. Acesso em 11-04-2023. Disponível em:
FEITOSA, Evaldo. O Comprador de Verdades. Gráfica Imagem, Brasília: 2016.
GEISLER, Norman e TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ateu. Vida, São Paulo: 2006.
HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L.Jr. e WALTEKE, Bruce K. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro Redondo, Luiz A. T. Sayão e Carlos Osvaldo C. Pinto. Vida Nova, São Paulo: 1998.
MENDONÇA, Albérico Camelo de. Estudos de Teologia Sistemática. Chara, Brasília: 2013.
Albérico Camelo de Mendonça é pastor, professor, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, escritor e acadêmico, ocupante da Cadeira 04, da Academia Evangélica de Letras do Distrito Federal – AELDF
De verdade, esse texto é uma obra-prima!
Parabéns ao Confrade Pr. Albérico por essa pérola literária, em que alguns pontos merecem destaque:
1. Para acessar a “verdade” é necessário paciência e forte desejo de conhecê-la. Ela não se revela aos precipitados!
2. Em certas situações a “verdade” não se manifesta, mas fica em silêncio. A verdade deve ser dita a quem de direito, no tempo certo e por motivos certos.
3. A verdade não deve andar sozinha, mas deve ser acompanhada da bondade e da utilidade.
4. A verdade é atributo da natureza divina em que a existência de Deus e o entendimento de Deus se correspondem eternamente. Deus não é apenas o verdadeiro e o que conhece toda a verdade, mas a própria verdade é a fonte de toda a verdade.
Ela é absoluta e tem o condão de libertar o ser humano das amarras da ignorância e conduzi-lo à vida abundante e produtiva.
Nesse diapasão, pode-se dizer, em apertada síntese:
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32).
Excelente texto. Parabéns, pastor Albérico!