Brasília: nosso bem comum (Josué Mendes)

Josué Mendes/Divulgação

“O bem da cidade e da nação é mais nobre e mais divino que o bem individual.”

(Aristóteles, em Ética a Nicômaco)
“Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos…”
(Paulo, em Gálatas 6.10)
Tanto a máxima de Aristóteles quanto a proposição do apóstolo Paulo apontam para um viver em consonância com a justiça divina (mishpat) e para uma prática de relacionamento com o outro (tzedaká). Em qualquer das referências, as pessoas se tornam virtuosas à medida que promovem o bem comum, fruto da “graça comum” que Deus concede a todos, indistintamente, conforme a linha da Teologia Reformada.
Promover causas de interesse comum é uma forma de viver o altruísmo e realçar o caráter da vida e da dignidade humana. Por essa e outras razões, os “males comuns”, contra os quais devemos lutar, devem ser banidos ao longo de toda a nossa trajetória. Não é tão simples assim, mas é possível.
Nosso ideal de cidade, nação, enfim de sociedade, deve harmonizar-se com os parâmetros divinos. Basta olharmos, como referência, a beleza do jardim do Éden e a magnitude de todo o universo, os quais foram criados, magistralmente, pelo Arquiteto dos arquitetos. Havia, no jardim do Éden, contemplação e livre acesso, pois, segundo Gênesis 3.8, “o Senhor Deus andava no jardim quando soprava o vento suave da tarde”. Quanto ao universo, Davi poeticamente escreve no Salmo 19.1: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de suas mãos”. E ainda, segundo a narrativa de Moisés, em Gênesis 1.25: “E viu Deus que tudo era muito bom”.
Cremos na afirmação do apóstolo Tiago (1.17) de que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança”. Todavia, concordamos também com o sábio Salomão, em Eclesiastes 7.29: “Deus fez o ser humano reto, mas ele se meteu em muitos problemas”.
Para onde foi, então, aquele ethos que valoriza, inclui e partilha justiça, igualdade e fraternidade; e que é capaz de nos fazer viver um novo modo de vida em sociedade? Onde estão as nossas “boas obras [que] glorificam ao Pai”, nas palavras de Jesus Cristo em Mateus 5.16?
Parece que a decadência do ser humano faz com que haja o cultivo de um “bem” de poucos, e para poucos, e um “mal” de muitos, e para muitos. É preciso, no entanto, recuperarmos a boa chama que ainda nos resta, fazendo que o cuidado com o bem comum comece dentro de cada um de nós, depois aperfeiçoe-se em nossas casas e reflita-se, por fim, na nossa cidade. Assim, colocamos o nosso bem individual a serviço do bem coletivo.
Por falar em coletivo, Brasília saltou de um projeto visionário e modernista para uma cidade singular e repleta de particularidades. Foi concebida para ser funcional, organizada em áreas específicas para habitação, circulação, trabalho e lazer. O seu desenho, geometricamente poético, é fruto de inteligências múltiplas advindas do urbanismo, da arquitetura, das artes, entre tantas outras ciências.
Sua localização é privilegiada, sobre um vasto plano alto (planalto). Nasceu como símbolo de união nacional e para ser o centro das decisões do Brasil. Tornou-se um marco na história de nosso País, sendo, no século XX, a única cidade alçada à condição de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. Sua arquitetura é icônica e seus prédios são verdadeiras obras de arte, desafiando inclusive as leis da Física; seu concreto aparente, suas curvas ousadas e seus ângulos surpreendentes contrastam com a vegetação da cidade, formando um ambiente acolhedor e inspirador. O horizonte de Brasília é um espetáculo à parte, com céus intensamente azuis ou coloridos pelo inesquecível pôr do sol, que lhe dá contornos imprevisíveis e contemplativos. Como dizia Lúcio Costa, “o céu é o mar de Brasília”.
Brasília, em suma, é uma cidade que combina história, arquitetura modernista e uma atmosfera única, capaz de cativar seus visitantes e imortalizar-se no mais belo cartão postal. Quantos lugares bonitos e quanta diversidade em sua vegetação! É um local perfeito para atividades de convivência e contemplação. É a capital de todos nós, brasileiros.
Não obstante, leitor(a), Brasília ter sido concebida como exemplo de ordem e eficiência urbana, ela continua a enfrentar distorções e adaptações. Cresce desordenadamente, segregando classes sociais e preservando espaços de elite. Sua organização urbana não se revelou tão convidativa para um convívio social espontâneo, como imaginado por seus idealizadores. Mesmo assim, mantém o seu ideal de cidade vibrante, com uma rica história e uma população diversificada.
Brasília logo, logo, chegará a ser uma cidade centenária, idade que, talvez, alguns poucos de nós alcançaremos. Poderemos não estar aqui em presença, mas na fotografia deve estar a prova de que por aqui passamos, fazendo o bem a todos, sem olhar a quem.
O bem comum deve andar por aí e ainda há tempo de o fazermos, entre os espaços que se harmonizam e que se desentoam. Parafraseando Pero Vaz de Caminha, no desfecho da primeira carta escrita em solo brasileiro, a melhor semente que podemos lançar em Brasília e o melhor bem que devemos espalhar – não pelas ruas da cidade, porque Brasília não tem ruas – é proclamar a “graça salvadora”, mediante a fé em Jesus Cristo, a fim de nos tornarmos feitura de Deus, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas, conforme Efésios 2.8-10.
Mesmo ante a tantos desafios, hoje é dia de comemoração. Parabéns, Brasília, pelos seus 64 anos e pelo bem que nos faz, mesmo sem uma justa retribuição, às vezes!
*Josué Mendes é professor, escritor e acadêmico ocupante da Cadeira 12 da Academia Evangélica de Letras do Distrito Federal – AELDF.

Um Comentário

  1. Por mais matérias assim: interessantes, reais e com fundamentos no Eterno. Parabéns pela iniciativa à RB, ao autor da matéria e a querida sexagenária Capital Federal.

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