Ao Compasso dos Tempos, Mas Ancorada na Rocha (Elias Brito Junior)

Elias Brito Júnior

“Ao compasso dos tempos, mas ancorada na Rocha” é o lema da Mocidade Para Cristo – MPC, instituição que participo há 50 anos. Como todo bom lema, este diz mais do que a leitura fria de suas palavras.

Andar ao compasso dos tempos, é manter-se atento e atualizado às mudanças que, inevitavelmente, acontecem ao nosso redor. As sociedades humanas são entes em constante evolução. Nos últimos dois mil anos, elas passaram por mudanças exponenciais. Muitas instituições, filosofias, religiões, regimes políticos e econômicos, e até países, surgiram e desapareceram.
Não seria diferente com a Igreja do Senhor Jesus. Com uma bidimensionalidade existencial, é instituição de origem transcendente, composta por indivíduos em uma realidade imanente. Ao compasso dos tempos, ela não pode correr o risco de perder-se ao “ritmo das ondas”, sem atentar os valores essenciais que estão ancorados na Rocha Eterna.
Uma instituição viva, em qualquer contexto cultural ou época, precisa adequar-se as mudanças que a sociedade vai empreendendo. No texto da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, o apóstolo mostra o quanto a igreja deve entender e, na medida do possível, se adequar à realidade que a cerca.
“Quando trabalho entre os judeus, vivo como judeu a fim de ganhá-los para Cristo. Não estou debaixo da Lei de Moisés; mas, quando trabalho entre os judeus, vivo como se estivesse debaixo dessa Lei para ganhar os judeus para Cristo. Assim também, quando estou entre os não judeus, vivo fora da Lei de Moisés a fim de ganhar os não judeus para Cristo. Isso não quer dizer que eu não obedeço à lei de Deus, pois estou, de fato, debaixo da lei de Cristo. Quando estou entre os fracos na fé, eu me torno fraco também a fim de ganhá-los para Cristo. Assim eu me torno tudo para todos a fim de poder, de qualquer maneira possível, salvar alguns”. (1 Co 9:20-22 – NTLH)
Por oportuno, é importante destacar qual era a real motivação do apóstolo, ao “viver como”. Ele repete cinco vezes que o seu objetivo era o de “ganhá-los para Cristo” ou “salvar alguns”. Ao fazer certas concessões, ele tem o cuidado de esclarecer que continua obedecendo a lei de Deus e vivendo “debaixo da lei de Cristo”.
A Igreja deve perceber as mudanças do tempo. É imperativo conhecer e entender o tempo que vivemos. Em decorrência desta percepção da realidade, é preciso atualizar os métodos de anunciação do Evangelho, a liturgia, a hinologia e os projetos de evangelização e a atuação missionária, buscando soluções que não a descole da Rocha.
Nessas décadas de militância na família de Cristo, já assisti a diversas tentativas de “aggiornamento” (atualização) da nossa fé e práticas às novas tendências da sociedade, para fazer a Igreja bailar ao compasso do tempo, mas nem sempre ancorada na rocha.
Lembro-me, há muitos anos, de ter lido numa grande revista secular, um artigo sobre a crise na Igreja Anglicana, quando empreendeu adequar a fé cristã, às novas práticas da sociedade inglesa. Segundo a conclusão do articulista, a Igreja estava minguando, pois, as pessoas buscam na Congregação valores que são eternos e não as novidades do momento. Se a igreja for se tornando igual “ao mundo”, deixa de ter relevância para o adepto. Achei interessante o argumento do jornalista. E é isso que tenho observado nas denominações excessivamente “inclusivas”.
Aqui abro um parêntese, para citar um pastor amigo, Horácio Saboia, que nos lembra que a Igreja de Jesus sempre foi inclusiva e primou pela diversidade. “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”. Porém, e há sempre um porém, Jesus exige de quem vem, que tome o jugo e aprenda Dele, para que tenham descanso para suas almas. Ou seja, Ele aceita a todos, mas impõe um compromisso, que é o de negar-se si mesmo e firmar-se na Rocha.
A Igreja não precisa e não pode adequar-se aos valores do mundo para ser aceita pela sociedade. O evangelho de Jesus sempre foi uma “contracultura”. O teólogo inglês, John Stott, em seu livro Contracultura Cristã (ABU Editora, 1981), nos alerta para esse papel da fé cristã:
“Assim, os discípulos de Jesus têm de ser diferentes: tanto da igreja nominal, como do mundo secular; tanto dos religiosos, como dos irreligiosos. O Sermão do Monte é o esboço mais completo, em todo o Novo Testamento, da contracultura cristã. Eis aí um sistema de valores cristãos, um padrão ético, uma devoção religiosa, uma atitude para com o dinheiro, uma ambição, um estilo de vida e uma teia de relacionamentos: tudo completamente diferente do mundo que não é cristão. E esta contracultura cristã é a vida do reino de Deus, uma vida humana realmente plena, mas vivida sob o governo divino”.
Como um estudante das relações igreja e sociedade, o que tenho observado é que todos os ramos do cristianismo, que buscaram viver ao compasso dos tempos, mas sem estar ancorados na rocha, acabaram, por mimetismo social, perdendo relevância diante da sociedade, sem falar na abdicação do papel iluminador de ser o sal da terra e a luz do mundo. Abandonaram o ímpeto evangelizador e missionário e, em consequência, começaram a minguar, até quase desaparecer ou tornar-se irrelevante.
Pesquisas realizadas nos Estados Unidos têm sinalizado para o declínio da fé cristã. Até os anos 90, o percentual dos que se identificavam como cristãos, manteve-se acima dos 90%. Levantamentos mais recentes mostram uma diminuição para percentuais abaixo de 65%, impactando quase todas as denominações. Umas das raras exceções são os tradicionalistas, em especial os ortodoxos. É verdade que eles são compostos, principalmente, de migrantes que trouxeram seus valores e não se deixaram enredar com o “american way of life” (estilo de vida americano).
“Mas também há sinais de que a Igreja Ortodoxa tem recebido ex-católicos e ex-protestantes, insatisfeitos com os rumos de suas antigas denominações. Nas últimas duas décadas, praticamente todas as grandes denominações americanas passaram por cismas envolvendo o tema da sexualidade. A mais recente divisão aconteceu na Igreja Metodista Unida, que se partiu em duas depois que a ala liberal passou a defender a celebração de casamentos gays”.
Ao concluir, gostaria de registrar outra citação que, ao meu ver, corrobora com esta minha preocupação. O Cardeal Joseph Ratzinger, futuro papa Bento XVI, na homilia da “Missa Pro Eligendo Romano Pontifice“, que antecedeu a sua eleição ao pontificado, proclamou:
“Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento… A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas, lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar ‘aqui e além por qualquer vento de doutrina’, aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades”.
Que Deus nos permita navegar ao compasso dos tempos, mas sempre firmados na Rocha Eterna.
Elias Brito é mestre em teologia, com ênfase em Igreja e Sociedade.

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