A manifestação da fé: causa ou consequência? (Luiz Nolasco Rezende Jr)

Luiz Nolasco Rezende Jr/Divulgação

Tem sido cada vez mais comum nos depararmos com noticiários fazendo ácidas críticas a lideranças de diversas vertentes religiosas. A grande maioria se deve a escândalos de cunho comportamental, político, econômico, social ou até mesmo ideológico.

Espera-se sempre que lideranças religiosas sejam pessoas éticas, humanitárias, que pensam muito mais nos outros que em si mesmas. Entretanto, se voltarmos nossa atenção para a História, sempre encontraremos lideranças religiosas que destoaram.
Desde a Antiguidade, diversas linhas sacerdotais, de diferentes credos, sempre estiveram ao lado do poder. Por vezes, subservientes. Outras vezes, senhoras da situação. Ao mesmo tempo, sempre houve outras personagens religiosas com vozes dissonantes e com posturas opostas e críticas ao ‘status quo’, sendo muitas vezes perseguidas de diferentes maneiras.
Comparando esses dois perfis de lideranças religiosas, percebi uma diferença comum entre seus líderes. É que uns expressaram o exercício de sua liderança tendo a fé como CAUSA, quando suas atitudes e escolhas eram voltadas em prol da fé. Outras expressaram sua liderança tendo a fé como como CONSEQUÊNCIA, ou seja, tendo suas atitudes como uma expressão de fé, como uma concretização da fé. É provável que muitos discordem desta minha classificação – até desejo que o façam –, mas são, para mim, realidades bem diferentes.
Vou tentar esclarecer. Quando uma liderança exerce um papel religioso que antecede a fé, muitas vezes o faz por convicções racionais, pessoais, culturais, históricas, tradicionais, enfim, situações externas àquele líder. É uma liderança excessivamente preocupada com o estereótipo. São pessoas centralizadoras porque se colocam como detentoras e defensoras da fé, acreditando que, sem ela, a fé daquela vertente religiosa se perderia. Outra consequência da centralização é a personificação da fé em torno si, uma vez que seus líderes acreditam serem detentores de uma voz celestial, o que os tornam inquestionáveis.
Já as lideranças que exercem um papel religioso como consequência da fé, são lideranças que tiveram uma experiência pessoal que a despertou. Ou seja, a fé desta liderança explodiu dentro de si inicialmente. Por conta desta vivência, têm buscado referências para compreendê-la e orientar sua prática. Com isso, não estou dizendo que tais lideranças seriam perfeitas e que não incorreriam em incoerências religiosas. Mas, em geral, são líderes menos centralizadores, que não consideram ter a última palavra e esperam que seus liderados alcancem vivências e experiências de fé tais quais eles tiveram.
Percebe-se que me identifico muito mais com essa última característica de expressão de liderança religiosa e pretendo, a seguir, justificar os motivos que acredito ser esse o estilo de liderança religiosa que a Bíblia espera de um líder da fé.
Primeiramente, é preciso entender o que a Bíblia chama de fé. Para começar, gostaria de citar uma das parábolas de Jesus: A parábola da semente (Marcos 4.26-29): “Ele prosseguiu dizendo: ‘O Reino de Deus é semelhante a um homem que lança a semente sobre a terra. Noite e dia, quer ele durma quer se levante, a semente germina e cresce, embora ele não saiba como. A terra por si própria produz o grão: primeiro o talo, depois a espiga e, então, o grão cheio na espiga. Logo que o grão fica maduro, o homem lhe passa a foice, porque chegou a colheita’”.
Essa parábola compõe uma sequência de parábolas em que Jesus fez diversas comparações sobre o Reino de Deus com sementes. Ele estava em um barco à beira da praia do mar da Galileia onde ensinava, quando começou a citar a parábola do semeador. Em seguida, reservadamente aos discípulos, explicou a eles seu significado e a relação de seu conteúdo em comparação com o Reino de Deus. Deu continuidade às comparações do Reino com uma segunda parábola, comparando o Reino de Deus a uma semente (a parábola da semente descrita acima) e concluiu suas palavras com uma terceira parábola: a parábola do grão de mostarda, apontada por Jesus como a menor das sementes, mas ao crescer é capaz de abrigar até pássaros em sua sombra (vale a pena conferir todo o capítulo 4 do Evangelho de Marcos).
Como disse, as parábolas desse trecho do Evangelho de Marcos tinham sementes como pano de fundo. Na explicação da parábola do semeador, Jesus disse, no verso 14, que a semente era a Palavra de Deus. Não era qualquer Palavra. Era a Palavra revelada! Não se tratava apenas de uma leitura do texto religioso, mas uma Palavra que foi considerada por aqueles que a ouviam como se tivesse saído da boca de Deus e chegou até eles, explodindo em seus corações a fé.
O apóstolo Paulo reforçou essa ideia quando disse que era a Palavra ouvida de Deus que geraria fé em nossos corações (Romanos 10.17: “a fé vem pelo ouvir a Palavra de Deus”). Talvez Jesus tivesse tido a intenção de que os discípulos vivessem uma experiência de fé ouvindo a Palavra mencionada por Ele, o Deus que se fez carne, que lhes disse diversas vezes: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc 4.23).
Mas que fé é esta que Jesus estava se referindo? A fé que Jesus dizia não teria nada a ver, por exemplo, com:
• pensamento positivo; ou,
• dar credibilidade a alguém a alguma coisa; ou,
• achar que se pode ter a capacidade de fazer algo.
Não é desta fé que Jesus falou e não é esta a fé descrita na Bíblia. A fé, segundo a Bíblia, é Dom de Deus, como está escrito em Efésios 2.8. Se é dom de Deus, a fé que temos não é naturalmente nossa. Não é natural, mas sobrenatural. A Bíblia também diz que a fé que temos, foi produzida pela ação gloriosa do Espírito de Deus que nos convenceu.
Se olharmos a parábola da semente por esse prisma, podemos dizer que foi o Espírito de Deus quem plantou a semente em nós. Quem fez a semente germinar e crescer, de tal maneira que ninguém sabe como? O Espírito de Deus. Quem capacitou e fez com que a semente amadurecesse? O Espírito de Deus. Quem a colheria quando tivesse chegado a hora? O Espírito de Deus. É por isso que a principal evidência da fé em nós é a Ação do Espírito de Deus operando em nós tanto o querer como o realizar dEle.
O autor de Hebreus, no capítulo 11, conceituou fé como: “A certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”. O autor não estava relacionando a fé como um tiro no escuro, mas na convicção de que a Palavra chegou como a Semente que não vimos; e, ao cair, germinou e cresceu não sabendo explicar como nem o que estava acontecendo. A semente caiu e operou em nós grande transformação.
Por isso essa Palavra, que gera a fé, que o Apóstolo Paulo nos disse em 1Co 1.18 que a “Palavra, a Palavra da Cruz, é loucura para os que perecem, mas para nós, que somos salvos, que recebemos o dom de Deus, em quem a fé cresceu e germinou…” Para nós, a fé é Poder de Deus!
É este poder de Deus que nos leva a ter fé e a OBEDECER, ou seja, a fé como uma consequência de uma vivência anterior. Se voltarmos ao texto de Hebreus 11, o autor descreveu uma lista de homens e mulheres que tiveram fé e em decorrência creram e obedeceram a Palavra que ouviram de Deus.
Dessa maneira eu vejo que talvez falte nas atuais lideranças religiosas a vivência de uma fé sobrenatural, operada pela manifestação do Espírito de Deus, como um dom de Deus, capaz de trazer a convicção de fazê-las andar identificadas com esta fé, sendo por ela guiadas e dirigidas, testemunhando-a como um exemplo de expressão de fé para aqueles que estivessem a seu lado.
Luiz Nolasco Rezende Jr é Professor, Teólogo, Mestre e Doutor em Educação

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