Peregrinos ou Turistas? (Júnior Sipaúba)

Júnior Sipaúba /Divulgação

“Pode parecer que as ameaças vêm do caminho, do lugar onde não há proteção, do desconhecido. Vulnerabilidade maior, no entanto, está nos fundamentos, nas crenças mais básicas que carregamos em nossa identidade, que se questionadas ou desmontadas podem resultar na perda de nosso referencial e do nosso equilíbrio psíquico” – Nilton Bonder

É curioso o fato, mas é possível existirmos sem nunca perceber o lugar da nossa vulnerabilidade maior. Concordo com o rabino Bonder, não temos identificado com nitidez o lugar das ameaças. E vamos caminhando como se os perigos viessem do caminho e não das certezas que funcionam como uma verdadeira blindagem ideológica. Outro princípio basilar do judaísmo nos ensina: “A fome é insaciável quando desconhecemos nossas verdadeiras necessidades”.

A sabedoria bíblica nos ensina que a caminhada do discípulo é muito mais na condição de peregrino e não de turista. O texto bíblico é claro: “Amados, insisto em que, como estrangeiros e peregrinos no mundo, vocês se abstenham dos desejos carnais que guerreiam contra a alma” (I Pedro 2.11). A diferença é muito grande, o turista convencional olha para fora. O peregrino volta-se para dentro de si mesmo enquanto faz o seu caminho. A riqueza da jornada é feita muito mais pela disposição interna de quem caminha do que pela paisagem que se vê. Depende mais de uma realidade interna do que de cenários externos.

A palavra peregrino vem do latim “per agrum”, que significa “através do campo”. Desde os tempos antigos, milhões de seres humanos se habituaram a deixar suas casas e cidades em busca de destinos, percorrem a pé, a cavalo, de carro, de embarcações, de moto ou bicicleta trilhas e estradas que cortam países e continentes. O peregrino lida melhor com o desconforto e os riscos da viagem do que o turista.

O turista fica quase escravizado por paisagens externas, seu interesse vai e volta conforme à familiaridade com locais e circunstâncias. Alguns chegam a não suportar mais os lugares que, antes, foram arrebatadores. Segundo o monge Anselm Grün sobre São Bento: “[…] a verdadeira peregrinação, a verdadeira emigração é ficar calado”. E nesse ponto, temos um problema com o turista, não é característico do seu perfil ficar calado, principalmente quando as coisas não saem como planejado.

Nosso conceito de peregrinação é distorcido, pois somos convencidos de que a essência da peregrinação é ir a um lugar estranho, mas o que a peregrinação busca é o que está em nós. Quando encaramos nossa jornada apenas como turistas, vamos adotando a perspectiva da busca frenética e imatura por lugares estranhos, exóticos, diferentes e nunca provados. Nos esquecemos de que a grande busca é por algo que já possuímos em essência, só que estamos tão afastados de nós mesmos que não temos acesso a muitos aspectos importantes de nossas vidas.

Em 2025, temos a oportunidade de olhar para dentro de nós mesmos e parar de buscar apenas o que é estranho, novo ou nunca provado. Precisamos voltar aos lugares que, talvez, tenhamos desprezado ou até cansado de visitar. Tem muita gente que já se cansou de amar, de orar, de servir, de se doar, enfim, vamos desistindo de peregrinar. Quero concluir, afirmando que há beleza também no “turismo”, mas esse assunto eu deixo para outro artigo. Voltando ao rabino, vale a advertência: “[..] pois é melhor a viagem que nos faz vulnerável, do que a segurança que nos rouba o caminho”. E aí, vai encarar ou pretende continuar apenas como um turista?

Júnior Sipaúba é Professor, escritor, teólogo, psicanalista, matemático e mestre de Taekwondo.

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