Dilemas emocionais em cavernas existenciais (Luiz Nolasco de Rezende Júnior)

Luiz Nolasco de Rezende Junior/Divulgação

A depressão tem sido um desafio que a humanidade pós-moderna e tecnológica precisa vencer! As causas de estados depressivos são diversos, mas todos estão, de alguma forma, associados a enfrentamentos aos tempos hodiernos. Homens e mulheres em condições de estresse e depressão acabam desenvolvendo enfermidades crônicas tanto na alma como no corpo.

A depressão não é algo banal! É uma doença e precisa ser acompanhada por equipes multiprofissionais de saúde. Falo essas coisas por vivenciar tais processos e ser sabedor dos males que pode causar em nós.
Uma das reações por mim vivenciada e que é bem documentada sobre a depressão é o sentimento de uma alma aprisionada. Trata-se de uma percepção de estar em uma condição de obscuridade, sem encontrar caminhos ou respostas. Esse status, por vezes, pode resultar em isolamento social, medo e insegurança. Sentimentos que podem nos imobilizar a tomar qualquer tipo de reação, inclusive reações para sair desse aprisionamento existencial.
Essa percepção de alma aprisionada me fez recordar do Mito de Caverna de Platão. O Mito da Caverna foi uma metáfora descrita na obra prima de Platão, a República. No Mito, Platão narra que em uma caverna haviam pessoas que nunca haviam saído de dentro dela. Elas estavam ali com suas mãos amarradas em uma parede. Na caverna, havia uma fogueira que era a única fonte de luz naquele lugar. Desse modo, as únicas coisas que conseguiam ver eram as próprias sombras projetadas na parede à frente; eram as imagens distorcidas deles mesmos e da realidade que os envolvia.
Dando continuidade à narrativa platônica, uma daquelas pessoas consegue se desvencilhar dos grilhões e sai da caverna. Fora da caverna, ela se impressiona com a intensidade de tanta luz. Aquela nova condição deixa-a tanto assustada quanto admirada com a infinidade de cores e de formas, se comparadas às formas monocromáticas de dentro da caverna. Surge um impasse: se aventurar e viver em uma nova realidade, em uma nova condição, ou retornar à segurança da obscuridade da caverna.
A dificuldade em lidar com novos desafios que a vida nos surpreende pode nos levar a um embate semelhante ao descrito no conto platônico: permanecer em uma caverna, sob algemas, com visão curta, limitada e distorcida, mas de alguma forma protegidos, ou, vivenciar os dissabores e belezas da realidade fora da caverna.
Como a argumentação do filósofo, embora brilhante, se tratava de um conto, de um mito, busquei relatos históricos da Bíblia em busca de paralelos. Afinal, como teólogo, reconheço a Bíblia como referencial legítimo de fé e sabedoria. Encontrei dois relatos que dialogam com o mito ateniense. O primeiro deles está relacionado com Davi, que buscou abrigo na Caverna de Adulão para fugir de Saul. O segundo relato foi de Elias, que se escondeu em uma caverna como um refúgio à perseguição de Acabe e Jezabel.
O primeiro relato está descrito em 1 Samuel 22. Davi havia fugido da cidade de Gate e se escondeu na caverna de Adulão, onde se juntaram a ele seus irmãos e outros parentes. Outros homens também foram estar com ele. Eram pessoas que tinham dívidas, viviam em dificuldades ou estavam descontentes com a vida que tinham. Davi se tornou o líder de cerca de 400 homens, que se tornaram conhecidos depois como “os valentes de Davi”. Com a ajuda deles, após a morte do rei Saul, realizaram grandes feitos contra os inimigos de Israel, garantindo a Davi a Coroa, a admiração do povo e tornando o seu reinado como a principal referência da história do povo Hebreu.
O segundo relato está descrito em 1 Reis 19. Elias, fugindo de Acabe e Jezabel. Essa perseguição ocorreu após ele ter mostrado que Baal era uma divindade cananéia vazia e falsa, se comparado aos feitos de Iahweh, Deus de Israel. Enquanto Este mandara fogo dos céus após a oração de Elias, aquele nada fizera após o clamor, por horas, de seus sacerdotes. Por isso, Acabe e Jezabel perseguiram Elias para matá-lo. Ele fugiu e se escondeu em uma caverna. Ali Deus manifestou sua presença por uma brisa suave, dando a Elias palavras de consolo e força, dando-lhe vigor para continuar seu ministério como profeta em Israel.
Os dois relatos se completam em mostrar caminhos que tenho tomado para lidar com processos depressivos, a não me aprisionar em cavernas da alma. O primeiro caminho: estar cercado de pessoas com quem temos vínculos e deixar ser ajudado. Foram até Davi, na caverna, seus familiares mais próximos! Davi não os evitou. Ele permitiu que se aproximassem e permanecessem ao lado dele. Ele não os rejeitou! Caso você esteja enfrentando algo assim, permita ser ajudado, ser acolhido, ser amado, ser protegido. Caso se veja em uma caverna, permita que cheguem até você aqueles que desejam lhe ajudar.
Além dos familiares, chegaram a Davi outros como ele, que estavam enfrentando perseguições. Junto a estes, que não esperava nada por ser um igual a ele, se tornaram fortes, verdadeiros valentes. Confesso que ainda não consegui ter um grupo tão forte como obteve Davi, mas estou atento e aberto a receber apoio de pessoas que jamais imaginei receber. E desta forma caminhar para fora da caverna tanto ajudando como sendo ajudado, servindo e sendo servido, dando e recebendo.
Um terceiro princípio que tenho observado está centrado no relato de Elias. Mesmo na caverna, seu coração não havia perdido a fé. Ali, naquela caverna, seu coração estava disposto a permitir que Deus guiasse sua vida. Certas vezes, em “momentos de caverna” tentamos nos esconder até mesmo de Deus! Pensamos que devemos, primeiramente, fazer algo para Deus e só assim obter Seu favor. Contudo, Ele sempre se revelou àqueles que estão com coração aberto a ouvir a sua voz, que pode ser semelhante a um cicio suave nos ouvidos.
Ou seja, podem haver circunstâncias que nos levem a cavernas de alma. Ir para lá, em certas circunstâncias é natural e às vezes necessário. Mas esse tempo de reclusão deve ser para reflexão e de busca da presença de Deus.
Nos evangelhos, há diversos relatos de Jesus se retirando sozinho para a oração. Ter momentos de solitude em prol de esperar uma direção divina a luz de Sua Palavra é salutar, é curador. Afinal, aquele que se detém em ouvir a Sua Palavra, crendo que Ele existe, sabe o quanto Ele é galardoador dos que O buscam.
“Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me sento e quando me levanto; de longe percebes os meus pensamentos. Sabes muito bem quando trabalho e quando descanso; todos os meus caminhos te são bem conhecidos.”
“Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, Senhor. Tu me cercas, por trás e pela frente, e pões a tua mão sobre mim. Tal conhecimento é maravilhoso demais e está além do meu alcance, é tão elevado que não o posso atingir.”
“Para onde poderia eu escapar do teu Espírito? Para onde poderia fugir da tua presença? Se eu subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepultura, também lá estás. Se eu subir com as asas da alvorada e morar na extremidade do mar, mesmo ali a tua mão direita me guiará e me susterá.” (Salmo 139.1-10)
Luiz Nolasco de Rezende Júnior é teólogo, Mestre e Doutor em Educação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *