A indústria cinematográfica tem explorado com frequência um recurso chamado “ucronia” que é utilizado para simular as múltiplas possibilidades de desfecho ao longo das cenas vividas por seus personagens. O método consiste na indicação de outras consequências, no caso dos personagens adotarem decisões diferentes daquelas projetadas em um primeiro momento.
Talvez um dos melhores exemplos desse tipo de enredo vem do filme “O Efeito Borboleta”, escrito e dirigido por Eric Bress e J. Mackye Gruber. Ao longo da trama do filme, os personagens são magicamente trasladados de uma realidade a outra, dependendo tão somente da mudança de decisão diante de determinadas situações.
Aliás, vale registrar que o próprio título do filme já é um exemplo de ucronia. A expressão “efeito borboleta” deriva da teoria do matemático Edward Lorenz segundo a qual “o bater de asas de uma borboleta na Austrália poderia provocar um furacão no Caribe”.
A partir da anunciação dessa teoria, surgiram vários autores explorando a temática que, na linguagem popular, acabou sendo conhecida pela famosa expressão: “E se…?”
Por exemplo: “E se Fulano, Beltrano ou Sicrano tivessem agido de modo diferente, qual teria sido o desfecho da história?”
“E se, no lugar de ter ido para o sul, tal pessoa tivesse migrado para o norte, como estaria sua condição financeira no final da história?”
É claro que não existe limite para o imaginário humano. Logo, qualquer um de nós, em algum momento da vida, já se viu indagando de si para si mesmo: “E se…?”
Tal exercício só é possível por possuirmos, de forma natural, a consciência de outro princípio teórico, baseado na Terceira Lei de Newton, que diz: “Toda ação produz uma reação em sentido contrário e na mesma proporção”. Em outras palavras: tudo o que fazemos, gera algum tipo de consequência. Isto implica em dizer que ações diferentes, produzem diferentes resultados ou consequências.
Baseado nessa realidade factual, fiquei me perguntando, como seria a humanidade se não houvessem guerras? Ou melhor, como deveria ser a humanidade para que as guerras não acontecessem?
É óbvio que as guerras são consequências das decisões humanas. Mas, também é óbvio, que as guerras geram consequências nas decisões humanas. Portanto, o que se faz antes da deflagração de uma guerra, vai impactar diretamente no que será feito durante e depois dela. São as chamadas “reações em cadeia” que, na linguagem bíblica do salmista, são definidas como “um abismo chama outro abismo” (Salmos 42:7).
Vejamos o exemplo da famigerada guerra da Rússia com a Ucrânia. Será que faz alguma diferença saber como tudo começou?
A História registra que Kiev, a atual capital da Ucrânia, foi o ponto convergente do primeiro Estado eslavo, a historicamente denominada Rússia de Kiev, local do surgimento tanto da Ucrânia quanto da Rússia. Ou seja, ambas nações têm uma origem geográfica em comum.
Ocorre que, em 988, o monarca de Novgorod e grão-príncipe de Kiev, Vladimir I, aderiu à Igreja Ortodoxa, tendo sido batizado na região da Crimeia, fato esse que criou profundos laços religiosos com uma parte da população russa.
No século 13, os guerreiros mongóis conquistaram a Rússia de Kiev e por lá permaneceram por longos anos.
Já no século 16, os exércitos poloneses e lituanos invadiram o lado oeste daquela região e impuseram um regime de opressão sobre seus habitantes.
Em oposição ao domínio da República das Duas Nações (Polônia e Lituânia), o Czarado da Rússia entrou em guerra e conquistou o território da parte leste (Margem Esquerda) do território.
Somente mais tarde, em 1793, que o lado ocidental da Ucrânia (chamada de Margem Direita) foi retomada pelo Império Russo. Desde então, por meio de uma política de russuficação, a língua e a religião russas foram impostas aos habitantes das áreas sob controle militar e político do império russo.
Tudo isto ocorreu antes da chamada revolução comunista, que se dará em 1917, cujas consequências vão impactar sobremaneira o Leste Europeu. Com a expansão soviética, a Ucrânia, a exemplo de outros países da região, entra em guerra civil, ao fim da qual, acabará “aderindo” ao bloco da poderosa União Soviética de 1922.
Apesar de tantas histórias de invasões e possessões, a sobrevivência da Ucrânia foi mantida e, com o colapso da União Soviética, em 1991, o país finalmente torna-se uma nação de fato independente. Ocorre, no entanto, que a transição de um regime para o outro foi bastante dolorosa e, até certo ponto, caótica, acirrando a divisão interna que perdura até os dias de hoje, onde os habitantes da parte oeste da Ucrânia – fronteiriça com a Europa – são católicos, falam ucraniano e tendem a apoiar as potências europeias, ao passo que os habitantes da parte Leste – fronteiriça com a Rússia – falam russo, praticam a religião ortodoxa e são mais simpáticos ao governo russo.
Se as raizes históricas da Ucrânia revelam alguns dos principais fatores que contribuíram para a definição do atual cenário, o que se poderia dizer sobre as razões da fatídica guerra, ainda em andamento, com a Rússia?
Seria motivada pelos fatores históricos anteriormente descritos?
Teria a ver com a derrocada do Bloco Soviético (fim da Guerra Fria) e a consequente perda da proteção militar anteriormente garantida pelo extinto Pacto de Varsóvia?
Seria por causa do fornecimento do gás russo à Alemanha através dos gasodutos submarinos Nord Stream I e Nord Stream II (expressão que utiliza uma palavra alemã e outra inglesa traduzidas por “Fluxo Norte”)?
Ou teria sido ocasionada pela intenção da OTAN de instalar mísseis nucleares no quintal da Rússia, a partir da inclusão da Ucrânia no referido Tratado?
Se nenhum desses fatos tivessem ocorrido, é bem provável que a guerra não teria sido deflagrada e a estabilidade geopolítica da região e do mundo não estaria tão ameaçada.
Penso sinceramente que tudo isso pode ter contribuído de alguma forma para o atual estado de coisas, mas entendo que há um fator superveniente que funciona como a principal alavanca para esta e as demais guerras: a indústria bélica.
Eu explico: quantos bilhões de dólares são investidos anualmente na criação e na produção de armas de guerra? Sabe-se que a indústria armamentista fatura trilhões de dólares a cada ano.
Um estudo produzido pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz, de Estocolmo, na Suécia, revela que houve expansão no comércio mundial de armamentos pelo 6º ano consecutivo.
Estima-se que o valor movimentado pela indústria de armas só no ano de 2021 atingiu a cifra dos US$ 531 bilhões.
Outros dados revelam que Indústria das armas dos EUA está prevendo o maior lucro da história com ofensiva de Israel em Gaza.
Se não fosse pela sede de lucro, pode ser que ainda existiriam guerras. Mas, não há dúvidas de que em um mundo dominado pelos cifrões a guerra deixa de ser uma questão meramente diplomática, para tornar-se um grande e lucrativo negócio.
Não seria exagero dizer que, para os senhores da guerra, cada conflito iniciado é tratado como uma grande oportunidade de aumentar o faturamento. Lamentável imaginar que as lágrimas de pobres inocentes, alimentam os sorrisos dos magnatas da indústria da morte.
Infelizmente, para os tais, a perda de vidas humanas tem menos valor do que a perda de negócios lucrativos.
Voltando à expressão “ucronia” inicialmente citada, parece que cada vez que a borboleta bate as asas na Casa Branca, uma guerra acontece em algum ponto do planeta. Ótimas perspectivas de novos negócios, triste realidade para a tão aviltada e sofrida humanidade!
Contudo a esperança de um novo tempo permanece, conforme estampada na profecia de Isaías: “E ele julgará entre as nações, e repreenderá a muitos povos; e estes converterão as suas espadas em enxadões e as suas lanças em foices; uma nação não levantará espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerrear” (Isaías 2:4).
Peniel Pacheco é ex-deputado distrital, professor de teologia e Mestre em Ciências da Educação.
Que pérola este texto do ex-deputado distrital e professor Peniel Pacheco. Uma verdadeira aula de geopolítica que nos faz refletir sobre a indústria das armas, a sede de lucro e o chamado efeito borboleta. Mas… E se… ucronicamente… não existissem mais armas? E se o coração dos senhores da guerra se convertesse ao ponto de entender que o julgamento pertence somente a Deus e não aos homens? Apesar de todo o caos, de tantas mortes, a esperança de um novo tempo, ainda, permanece!
De fato um texto que traz um longo contexto histórico envolvendo os dois países em conflito.
Atingir o objetivo ideal de paz me parece possível se os dirigentes buscassem a solução das divergências como no caso em tela junto aos organismos internacionais.
Mas a frase que me parece sintetizar bem a situação é a seguinte: Se a Rússia parar de atacar, acaba a guerra,. Se a Ucrânia parar de contra atacar, acaba a Ucrânia.
Poderia ser também: “se a OTAN parar de cooptar, arruina a indústria bélica”.