
Há alguns anos tive a oportunidade de participar do Congresso Nacional do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos, que se realizou em Brasília. Entre os trabalhos apresentados, chamou a minha atenção um que avaliava o impacto psíquico e emocional da atividade de cuidador de pessoas doentes ou desvalidas. As conclusões do trabalho vieram em favor das minhas percepções empíricas no decorrer da minha vida.
Há diversos trabalhos acadêmicos que avaliam a atividade de cuidador, acompanhando pessoas acamadas ou senis, que não apresentam prognóstico favorável de plena recuperação, as vezes por longo espaço de tempo. São pessoas que tomam para si, por disposição ou imperiosa obrigação, a tarefa de cuidar de familiares ou pessoas próximas, que não têm condições de conduzir suas próprias vidas, seja por incapacidade física ou por transtornos psiquiátricos não controlados por medicamentos.
O que se observa é que o cuidador sofre, silenciosamente, como a pessoa enfermada. Esta situação tem um impacto emocional no profissional, levando-o, com razoável frequência, à tristeza, medo, raiva e, principalmente, ao sentimento de abandono afetivo dos que estão envolvidos com o enfermo por laços familiares, mas que não participam do cuidado como deveriam.
Segundo uma profissional especialista em atendimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista, com quem conversei, os pais têm suas vidas pessoais e profissionais profundamente impactadas pela necessidade do permanente cuidado que lhe é demandado, com especial ênfase na figura materna, que não poucas vezes, tem que assumir quase sozinha, as demandas que este transtorno psíquico traz.
A empresa farmacêutica alemã Merck fez uma pesquisa com os profissionais dedicados a função de cuidador. O resultado foi preocupante: “… das pessoas que cuidam de um familiar que está lutando contra alguma doença, 53% declararam se sentir cansados na maior parte do tempo e 46% contaram não ter uma brecha na agenda para marcar ou comparecer às próprias consultas médicas. Além disso, 61% assumiram que precisam de atendimento em decorrência de sua saúde mental e dois a cada cinco cuidadores admitiram colocar o bem-estar do paciente acima do seu”. (1)
Ao meu alvedrio, algumas características dos nossos dias, e de nossa sociedade, tendem a agravar as agruras do cuidador. A nossa “ansiosa solicitude pela vida”, que nos toma quase todo o tempo, limita a disponibilidade de pessoas que podem dar apoio presencial ao merecedor do nosso cuidado. A exiguidade de filhos por casal ou de parentes mais próximos, dificultam ou até impedem a divisão das tarefas. A medicina prolonga, como nunca antes, a vida dos pacientes, mesmo nos estertores de sua existência, envolvendo o cuidador por longos anos. Tenho observado, ainda, casos em que o cuidador adoece, logo depois que a enfermidade finda ou o doente se vai do nosso convívio.
Um dado reconfortante da pesquisa é que, ainda que a função tenha um alto grau de desgaste emocional e físico para as pessoas envolvidas com os cuidados com o próximo, ao final de tudo, o esforço vale a pena. Dos entrevistados, “68% afirmaram que zelar pela pessoa amada ajuda a apreciar mais a vida, enquanto 57% citaram que, embora seja desafiadora, essa função traz recompensas.”
Mas a categoria de cuidadores que eu queria destacar neste texto, é a dos “cuidadores espirituais”. Pastores, padres, conselheiros cristãos, missionários, entre outros, também sofrem de sentimentos muito semelhantes aos cuidadores do físico e da mente.
Uma pesquisa publicada no ano passado pela missão Visão Mundial, entre mais de 25 mil pastores e suas comunidades nos Estados Unidos, concluiu que mais da metade dos líderes religiosos sofrem de depressão, estresse nos relacionamentos pessoais e até o esgotamento emocional. Denominada: “O Estado dos Pastores” (2), o levantamento identificou que 56% dos líderes religiosos sofrem de depressão e 65% sentem-se solitários e isolados. Além disso, um em cada três pastores correm o risco de esgotamento emocional profundo (síndrome de Burnout). Os líderes que mais sofrem emocionalmente são os de pequenas e médias igrejas (51 e 56% respectivamente). Nos grandes agrupamentos, 32% relatam ter algum tipo de transtorno.
Para apoiar os cuidadores na sua nobre e difícil missão, é preciso, em primeiro lugar, que eles se apreendam do fato de que podem estar sofrendo e que precisam de ajuda. Pode parecer óbvio, mas, infelizmente, nem sempre é admitido pelo cuidador de vidas que ele precisa de ajuda, já que isso poderia retratar uma posição de fraqueza diante de sua comunidade de fé. Aos que cuidam dos doentes do espírito, é preciso reconhecer que eles também têm limitações humanas. O pastor inglês Charles Spurgeon, chamado de “Príncipe dos Pregadores do século XIX” teve uma batalha ao longo de sua profícua vida contra a depressão. Foi um “espinho na carne” de Spurgeon.
Quem se dedica à cura precisa entender e aceitar que é, apenas, instrumento nas mãos de Deus, e que é Ele quem promove o alívio e que deve buscar ajuda do Altíssimo, mas também daqueles a quem servem. No evangelho de Lucas, Jesus recorda das limitações do curador, diante das suas próprias finitudes: “- Sem dúvida vocês vão repetir para mim o ditado: ‘Médico, cure-se a você mesmo’ …” (Lc 4. 23).
Outros que sofrem no labor pastoral, e que são ainda menos percebidos em suas dores, são aqueles que lhe estão mais próximos. O cônjuge e os filhos sofrem “por contágio”. Veem as agruras do cuidador de almas, e nem sempre têm o preparo e a disposição de entender o sofrimento do cuidador e, às vezes, como ele também sucumbem.
Aos que não estão diretamente, ou intensamente, envolvidos no cuidado ao próximo, é necessário estar atentos e disponíveis aos apelos ou sinais de fragilidades do cuidador, para socorrê-lo com a maior brevidade e da maneira mais efetiva. É muito importante que o cuidador se sinta apoiado pela família, amigos, vizinhos e, principalmente, por outros profissionais de ajuda. A família natural e as igrejas precisam acolher ostensivamente aqueles que se dão tanto aos outros, mas que sofrem de uma carência afetiva ou material, antes que venham a ser tragados pelo stress, depressão ou esgotamento emocional profundo, que coloca em risco a higidez do cuidador e daqueles que o cercam.
Elias Brito Júnior é Mestre em Teologia – Igreja e Sociedade
(1) https://femama.org.br/site/noticias-recentes/quem-cuida-do-cuidador-evitando-o-desgaste-fisico-e-emocional-dos-cuidadores-de-pacientes/
(2) https://visaomundial.org.br/noticias/pesquisa-mostra-que-mais-da-metade-dos-lideres-religiosos-sofrem-com-depressao