O submundo das extorsões e ameaças digitais

Travestis e clientes denunciam quadrilhas que aplicam golpes financeiros e chantageiam vítimas com ameaças de exposição.
A prostituição, embora não seja crime no Brasil, tem se transformado em terreno fértil para a ação de golpistas e extorsionários no Distrito Federal. Nos últimos meses, a Polícia Civil (PCDF) registrou uma escalada de casos envolvendo golpes financeiros e chantagens digitais, principalmente em programas combinados pela internet, envolvendo travestis, acompanhantes e falsos perfis criados apenas para enganar.
Pagamento antecipado via PIX

Segundo investigações recentes, parte dessas quadrilhas opera de forma organizada. Elas publicam anúncios falsos em sites e aplicativos, atraem clientes, exigem pagamento antecipado via PIX, e logo depois iniciam uma sequência de ameaças. Em muitos casos, fingem ser membros de facções criminosas “somos do PCC” ou parentes de menores de idade, para intimidar as vítimas. Há registros de vítimas que perderam de R$ 2 mil a R$ 20 mil em poucos dias.
Cobrança em velocidade digital
O avanço do Pix trouxe comodidade e transformou a exploração em velocidade digital. Quando se passa a cobrar em tempo real e a usar a mesma via para chantagear, não há apenas uma perda monetária: há uma erosão da privacidade e da dignidade. É papel da imprensa expor essas redes e do Estado agir com rapidez para desarticulá-las. Criminalizar a vítima, ou tratar o fenômeno apenas como “questão moral”, é fechar os olhos para um esquema que lucra com vulnerabilidades e impõe medo. É preciso investigação, regulação do ambiente digital e políticas públicas de proteção para quem vende sexualidade por necessidade, e de punição para quem lucra com golpes e ameaças.
O prazer virou medo
O golpe mais comum é a extorsão pós-programa, em que o prazer se transforma em pavor. “Eles exploram o silêncio do cliente”, resume um delegado ouvido pela Coluna Repórter Brasília.
A estratégia é simples e cruel: após o encontro (ou mesmo sem que ele aconteça), os criminosos gravam vídeos, pegam dados pessoais, simulam perfis de policiais e ameaçam expor as conversas ou as imagens íntimas.
Em 2025, a PCDF desarticulou pelo menos duas quadrilhas especializadas nesse tipo de crime, com mais de 80 vítimas e prejuízo superior a R$ 300 mil. O crime é enquadrado como extorsão e constrangimento ilegal, previstos nos artigos 146 e 158 do Código Penal.
Travestis: vulnerabilidade e preconceito
Travestis e mulheres trans que atuam na prostituição são, ao mesmo tempo, vítimas e alvos preferenciais dos criminosos. O Dossiê ANTRA 2025 revela que o Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo. No DF, a violência assume novas formas: chantagem, exploração econômica e abandono.
50% dos lucros à agência e “gerentes”
“Quando uma travesti denuncia, muitas vezes é tratada com desconfiança. A primeira reação é achar que ela está mentindo”, lamenta uma representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).
Algumas relatam exploração em “casas de programa”, onde precisam repassar até 50% dos lucros aos chamados “gerentes”. Esse tipo de prática se enquadra como rufianismo, crime previsto no artigo 228 do Código Penal, mas a punição ainda é rara.
A economia do silêncio
O medo é a moeda mais cara desse submundo. Por vergonha ou medo de exposição, poucos clientes registram ocorrência, o que alimenta a impunidade.
“Esses casos só chegam até a polícia quando o dano é grande demais e o medo de ser ridicularizado impede a denúncia”, relata um investigador da Polícia Civil do Distrito Federal.
O resultado é um ciclo perverso: o crime cresce porque o preconceito silencia. E enquanto houver vergonha em buscar ajuda, haverá lucro para quem vive da chantagem.
Entre o prazer e o preconceito
A lógica do golpe que choca não está apenas no valor do PIX, mas no medo que ele compra.
O cliente teme ser exposto; a travesti teme não ser ouvida. O golpe financeiro é, na verdade, a ponta de um iceberg social feito de exclusão, transfobia e hipocrisia.
Moeda de Medo
O Brasil ainda não sabe lidar com o corpo e o desejo. Condena a prostituição em voz alta, mas consome em silêncio.
Enquanto isso, o submundo se alimenta da vergonha coletiva e transforma o prazer em moeda de medo.
O caminho é denunciar, proteger e humanizar. Reprimir o crime é dever do Estado; combater o preconceito é dever de todos nós.
Como se proteger e denunciar
- Desconfie de perfis falsos. Verifique fotos, redes e histórico. Perfis novos, com poucas publicações ou sem referências, são alerta.
2. Evite pagamentos antecipados. Nunca envie PIX antes do encontro presencial.
3. Preserve provas. Guarde prints de conversas, comprovantes de transferência, números e horários.
4. Não apague mensagens. Elas podem servir como prova de chantagem.
5. Registre ocorrência.
- Delegacia Eletrônica da PCDF: delegaciaeletronica.pcdf.df.gov.br
- Telefone 197 (Denúncia PCDF)
- Aplicativo PCDF canal direto e sigiloso
6. Peça orientação. Em caso de risco, acione a DRCC (Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos) ou procure o MPDFT.
Edgar Lisboa, Coluna Repórter Brasília