Perder para ganhar (Peniel Pacheco)

Peniel Pacheco/Divulgação

À primeira vista, esse título pode parecer totalmente surreal, mas existem registros comprovados de situações em que a perda representou vitória e o ganho, significou derrota.

O primeiro caso ocorreu no Campeonato Brasileiro de 1974: o Nacional de Manaus precisou perder o jogo contra Goiás para se classificar para a fase seguinte. O fato inusitado se deu por conta do esdrúxulo regulamento da época que previa que a classificação levaria em conta não apenas os pontos, mas, também, a média de renda dos jogos. Foi aí que o improvável aconteceu: na última rodada do turno, se o Nacional vencesse o jogo, o Goiás se classificaria por pontos e o Nacional seria eliminado. Mas, se perdesse, o Nacional garantiria a vaga pela média de renda, e o Goiás também se classificaria. Adivinhem qual foi o resultado? O Nacional perdeu por 3 a 0 e as duas equipes avançaram na competição e, pela primeira vez na história do futebol brasileiro, a torcida foi para as ruas comemorar a derrota do seu time. Coisas típicas da cartolagem brasileira!

Mas, deixando de lado o futebol, vale registrar que a história das guerras também registra uma situação igualmente inusitada: no século III a.C., diante do conflito entre o Exército de Epiro e as forças romanas, o Rei Pirro de Epiro teria dito ao vencer a Batalha de Ásculo: “Mais uma vitória como esta e estarei perdido”. A “profecia” se cumpriu: Ele venceu a batalha, mas suas perdas foram tão grandes que, exaurido, não conseguiu levar avante sua campanha militar e acabou perdendo a guerra para Roma. Vem daí o termo “vitória de Pirro” utilizado para reforçar o famoso dito popular: “ganhou, mas não levou”.

Em cenários fortemente marcados pela competição, como se vê nos esportes, nas guerras e nos negócios, a regra que prevalece é “vencer ou vencer”. A justificativa para o uso desse bordão é a necessidade de conquistar cada vez mais vantagens para superar a concorrência. Existe, inclusive, uma expressão muito comum em processos de negociação, conhecida como “perde-ganha”, onde prevalece o conceito de que uma das partes só pode atingir seus objetivos, se a outra perder. Isto porque, em cenários com uma quantidade fixa de recursos a serem divididos, o ganho de um indivíduo ou grupo implica, necessariamente, na perda do outro. A despeito disso, modernas técnicas de negociação procuram reverter essa tendência apontando para uma solução diferente: há situações claras em que abrir mão de determinadas pretensões pode favorecer o entendimento entre as partes, propiciando um cenário no qual ambos negociadores possam se sentir vitoriosos. Essa técnica é denominada de “ganha-ganha”.

Todos esses registros me fazem lembrar das palavras proferidas por Jesus aos seus discípulos: “Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” (Mateus 16:25,26).

Naturalmente o Mestre emprega aqui termos figurativos para enfatizar que as escolhas são baseadas em motivações internalizadas na alma; e que essas motivações haverão de determinar se o resultado final das escolhas será positivo ou negativo. Se o optante preferir as benesses efêmeras do materialismo reinante, terá como consequência a perda das conquistas eternas inerentes ao Reino de Deus. Ou seja, se a decisão pender pelo ganho de coisas agora, deve-se considerar, de antemão, que haverá perdas de bênçãos futuras.

Isso significa dizer que, diferentemente do futebol, da guerra e dos negócios, a vida no Espírito é regida por valores e princípios regulamentados pelo Criador, no qual não existe regras esdrúxulas. Na verdade, existem conceitos segundo os quais os ganhos movidos pela usura e pela ambição desenfreada, visando apenas a conquista de coisas terrenas, podem até gerar uma momentânea sensação de ganho, mas, na hora da prestação de contas junto ao Tribunal da Consciência Universal, o competidor terá de arcar com os danos decorrentes de suas escolhas erradas, tendo de encarar a desclassificação por agir de forma desleal para com Deus, para com o próximo e, em última análise, para consigo mesmo.

Jesus ilustrou muito bem esse cenário, quando se referiu a um homem que, do alto de sua arrogância, dissera a si mesmo: “Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Mas Deus lhe disse: Louco! Esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?
Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus” (Lucas 12:19-21).

Não é mera coincidência o que a mídia tem noticiado sobre a prisão do dono do Banco Master. Verifica-se que, a despeito de suas ligações com uma igreja evangélica, tudo leva a crer que o mesmo não deu a devida atenção às sábias palavras proferidas pelo Mestre Jesus. Ao contrário disso, são denunciadas inúmeras irregularidades por ele praticadas no intuito de montar um império baseado no ganho a qualquer preço. Qual a consequência? O castelo de areia ruiu!

Ao ler tais notícias, não pude deixar de me lembrar da carta de Cristo endereçada à Igreja de Laodiceia: “Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu” (Apocalipse 3:17). De que adianta ganhar tanto e perder o essencial? É bem oportuno o alerta do sábio rei Salomão: “Vale mais ter um bom nome do que muitas riquezas; e o ser estimado é melhor do que a riqueza e o ouro (Provérbios 22:1).

Peniel Pacheco é Mestre em ciências da Educação, especialista em Docência no Ensino Superior e professor de teologia.