O Rio Grande depois do Dilúvio (Por Felipe Daiello)

Felipe Daielo

Durante quase três semanas , de todos os lados , de todos os Estados do Brasil uma corrente de solidariedade, mesmo com ausência dos agentes do poder público numa ação solidaria, voluntários metem a alma em águas poluídas, enfrentam fome, frio, noites sem dormir, numa façanha que salva  milhares de brasileiros e os seus animais de estimação. Depois sem propaganda, quase sem nenhum apoio era preciso criar centros  de acolhimento  para humanos e animais, providenciar comida ,água potável, mínimas condições de higiene,  serviços sanitários e para higiene mínima , apoio psicológico para mentes em depressão pelas perdas, medicamentos e para as crianças  estabelecer rotinas de ensino, de recreação, com desenhos e  atividades culturais.

Mas agora, durante semanas, talvez meses, outras tarefas são prioritárias, pois com inverno chuvoso, frio congelante, sem roupas adequadas surgem doenças respiratórias. Devido a aglomeração das pessoas em locais sem privacidade, surto de piolhos, de sarna, de doenças gastrointestinais , além da leptospirose, mostram a sua cara.

No entanto  algo mais sério  não foi enfrentado pelo poder público, mais preocupado pela imagem em queda do que  ver a realidade que só os voluntários enfrentam, A destruição da cadeia produtiva do Rio Grande é realidade. Começando pelas malhas de transporte, pois a queda de pontes, mesmo em zonas rurais, a destruição de rodovias,os deslizamentos de encostas, além das vidas perdidas, bloqueiam os acessos entre municípios. Nosso aeroporto internacional interditado por meses por falha ou ausência de bombas de drenagem traz outro desafio, estamos ilhados do mundo. Nossos campos e plantações cobertos por lama fétida e esterlizante. Caos total.

Sem a imediata normalização da nossa logística de transporte, não há como iniciar a movimentação da economia que está  paralisada e sem condições de iniciar a recuperação exigida. Faltam insumos, rações para o gado, para aviários, sem falar em  combustível. Além da alta nos preços, pois o transporte quando há é bem mais caro, o desabastecimento geral ou as prateleiras vazias logo serão realidade. O parque industrial está paralisado. Milhares de empregos a perigo.

Como mais de 450 municípios no RG sofreram danos severos durante o dilúvio, alguns ainda recuperando efeitos das enchentes de  2023, com a queda previsível de receita eles não dispõem dos recursos mínimos mesmo para iniciar a limpeza e a remoção dos entulhos. Alguns foram dizimados com bairros fantasmas em áreas de risco permanente. O que fazer na urgência,  questão a discutir e a providenciar. Diques? Casa de bombas?

Como nossa carta magna diz ser o Brasil uma Federação de Estados, com independência em decisões administrativas e gerenciamento dos seus recursos, apesar de Brasília, onde não há fabricas e nem grandes empresas , ao longo do tempo centralizar arrecadações para  aumentar o seu poder político, provocando distorções e injustiças.

O Estado do Rio Grande do Sul onde temos Governo Estadual e Assembleia Legislativa, envia em tributos federais anuaís, em média, 60 bilhões de reais, fruto do trabalho dos seus habitantes, no entanto o retorno em migalhas ou doações não chega a 25 %. Parece mentira, mas 42 bilhões provenientes do suor dos gaúchos desaparecem num saco sem fundo. Em 10 anos nossa espoliação chega a 420 bilhões de reais, perto de 84 bilhões de dólares americanos. Como falar em dívida do Estado, perto de 100 bilhões, se já entregamos  quantia mais de quatro vezes superior. Numa comparação o Estado do Maranhão, estado que apresenta os piores índices sociais do Brasil como o IDH e PIB, onde municípios têm mais bolsas auxilio do que carteiras assinadas, numa equação reversa entrega 6 bilhões de reais e recebe quase o triplo. Compare os resultados obtidos em 10 anos de doações. No momento do dilúvio é preciso reparação do injusto encargo na presente situação.

Diferente do que ocorreu durante  a pandemia do Covid -19, com a política do fique em casa, os danos na economia foram severos, obrigando o governo a injetar 700 bilhões de reais para evitar o caos, mas a infraestrutura da nação não foi destruída, A situação do Rio Grande do Sul é muito distinta, o que exige novas decisões e mudanças de paradigmas tradicionais. Precisamos de bons gestores para crises e não de interventores jornalistas.

A atuação inicial dos voluntários foi fundamental para salvar vidas por primeiro, para depois alojar, vestir e alimentar os refugiados, a maioria só com a roupa do corpo  enquanto o imobilismo tradicional de estado paquidérmico não sai da tradicional letargia. Mas a atuação dos voluntários tem prazo de validade. O Rio Grande está destruído, como o Japão e a Alemanha do pós guerra, necessitando de fundos agora e na veia para iniciar a recuperação e depois planejar em segundo plano como evitar e controlar futuros dilúvios. Esmolas, entrega de recursos de propriedade dos gaúchos, como a devolução do IR pago a maior, não contam,

Como o governador afirma precisamos de um plano para galvanizar energias positivas, apenas um nome gauderio seria mais adequado, como Plano ou Projeto Farrapos como exemplo. Para isso precisamos do apoio dos nossos deputados federais e senadores em Brasília, bem como cobertura ampla em todos os meios de comunicação, pois a causa  é justa e interessa ao Brasil.

Durante 5 anos, como de direito, os impostos federais, mesmo em queda devem permanecer no Rio Grande, com administração de entidades civis e com as reivindicações dos prefeitos e das forças vivas do munícipio. Pois cada local sabe onde aperta o sapato. Como organizador não podemos esquecer o nosso governador, que foi eleito e conhece o Rio Grande e as armadilhas e traições de Brasília. Hora de união total, como os nossos antepassados fizeram quando nossas fronteiras estavam ameaçadas. Republicanos e imperiais lutam e morrem sob a mesma bandeira.

Durante cinco anos, com bandeira comum, agora que as forças vivas e atuantes do Rio Grande foram despertadas podemos revitalizar o nosso querido RG, começando pela infraestrutura logística que foi destruída. São 200 bilhões provenientes do nosso trabalho, não do governo de Brasília, que o utiliza em finalidades não republicanas. Vamos recriar o RG dos nossos sonhos. A hora chegou e a nova  precisa alcançar todos os rincões do Rio Grande.

Importante , para desvendar o drama atual conhecer a topografia típica do RG, tendo ao norte, montanhas, morros e serras  com altitudes entre 500 a 1.000 nos cânions, entremeados por  vales sinuosos onde fluem uma rede de arroios, de riachos que vão engrossar outros maiores  como o Taquari, o Jacuí, o dos Sinos, o Uruguai, que rolam para planícies e coxilhas mais baixas onde o estuário e não lago do Guaíba é o ponto de encontro de muitos, para depois formar a Lagoa dos Patos e a barra do Rio Grande. Um sistema pluvial perfeito é formado, qualquer precipitação maior  vai chegar mais cedo ou não nos vales e cidades ribeirinhas. A antiga regra de fundar as povoações  perto de rios e  riachos pode trazer problemas. Mas na Mesopotâmia, no Nilo, no Iêmen da Rainha de Sabá era importante saber controlar a irregularidade das águas.

Como  engenheiro e professor da UFRGS conhecendo o nosso Instituto e Laboratório de Hidrologia, onde fiz o meu  primeiro trabalho de pesquisa como estudante e sendo o atual reitor um especialista no assunto, já temos um embrião para rever, analisar e estudar a implantação de mini represas, com vertedouros e canais que desviem e levem a água para caminhos secundários. A partir do terceiro ano de execução do Plano ou Projeto Farrapos, após projetos, a implantação dessa rede de mini represas, além do controle das cheias, pode gerar energia elétrica barata para a micro região, controlar secas pela irrigação, incentivar a piscicultura para velhos pescadores e ter um caminho aquatico  eficiente entre duas barragens. Seria projeto cidadão trazendo vantagens inerentes aos habitantes que teriam outras opções para lazer incluindo a pesca esportiva, uso de jet-skis e de lanchas. Com o controle local como a comunidade de Nova Roma demonstrou ao reconstruir ponte destruída em 2023 e agora, em 2024, a mesma aguenta um dilúvio, agora com nova vaquinha a missão é recuperar estradas obstruídas para chegar a Farroupilha. Surge solução mais barata  mais rápida e de melhor qualidade; podemos fazer do limão uma revolução. Precisamos divulgar o método participativo. Pois nos cálculos no governo a ponte iria exigir 24 milhões de reais e levaria quase dois anos para a conclusão. No entanto o interesse e a força da comunidade de Nova Roma, exemplo para o Brasil e para os seus políticos e dirigentes, em menos de 3 meses e a um custo de um terço do orçamento oficial,  foi aberta ao trafego ainda em 2023 com uma procissão onde o andor da padroeira da cidade á frente cortava a fita da inauguração. Como adendo a nova ponte resistiu a dilúvio nunca visto no Rio das Antas. Podemos iniciar novo modelo de governo. Outra façanha dos gaúchos.

Sirvam nossas façanhas de modelo , de modelo, a toda à Terra.

Ponte em Nova Roma reconstruída pela comunidade. Foto ilustrativa,

Obs:  Rio Grande foi a denominação dada ao nosso Estado quando o primeiro português, Martim Afonso de Souza, passou por nossa costa em 1532.

Repórter Brasília, Edgar Lisboa/Por Felipe Daiello , engenheiro e professor da UFRGS.

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