O resultado das (más) “influencers” (Sandro Xavier)

Sandro Xavier/Divulgação

Dia desses, lendo Provérbios 11.11, pensei na profundidade do conselho do sábio a respeito daquilo que devemos atentar para ter uma vida significativamente boa não somente para nós, mas também para a sociedade em que vivemos.

O versículo diz: “A bênção do justo faz a cidade progredir, mas a influência dos maus a destrói”. A escolha pela versão da Nova Bíblia Viva Português (NBV-P) foi proposital, já que ela traduz וּבְפִי (uvefi, transliterado), do hebraico, como “influência”. A palavra poderia ser entendida como algo aproximado a “na minha boca”, dando a entender que pode ser aquilo que é pronunciado pela boca de alguém. Sendo assim, é o que se produz para comunicar a outro, causando, obviamente “influência”. Por isso, algumas outras traduções dizem “pela boca” ou “pelas palavras”.
Pensei como algumas atitudes têm influenciado a vida e a tomada de decisões das novas gerações. Isso é um movimento normal e aconteceu também com a gente. O assustador é imaginarmos os exemplos de “influência” que estão sendo alçados à importância em nossa “cidade”. O temerário é projetar o tipo de “progresso” que estamos traçando para a sociedade.
Modelos de sucesso creio que temos muitos e isso é até bom, já que não somos absolutamente iguais e nossos objetivos na vida são diferentes também, por óbvio. Isso é evidentemente salutar, pois precisamos de talentos múltiplos para que nossa “cidade” funcione bem, com trabalhos e dons diversos a fim de atingirmos nossa boa convivência.
Mas, como dito acima, lembro que esse movimento de buscar “imitar” modelos de gente que “se deu bem” é bastante normal. Na minha época de adolescência e início da juventude, eram exemplos os jogadores de futebol e grupos de pagodeiros. O modelo de se dar bem, por aqui, para o jovem médio, é fazer fama (pegar gente por aí) e ganhar muito dinheiro.
Sem querer me aprofundar nesses modelos passados, mas só para lembrar que aconteceu também outrora, para quem é mais velho, podemos falar dos empregos em escritório (qualquer um), as carreiras militares e até mesmo conseguir ser professor. Tudo isso teve sua época. Mas, não deixe de ter em mente a situação da grana e da fama. Isso é muito significativo.
Hoje, não podemos fechar nossos olhos, é fascinante o mundo daqueles que se colocam nas redes sociais sendo acessados por milhares e até milhões de pessoas, falando o que querem e como querem, já que não contam com a edição e o controle de uma organização de comunicação, como a maioria dos jornalistas tinham ao se reportar a uma rede de televisão, um jornal ou uma rádio.
Atrela-se a isso os também milhares e até milhões de reais (ou até dólares) que esses indivíduos têm ganhado, causando impressão nos chamados jovens médios da nossa sociedade.
A expectativa que temos da formação das pessoas nos leva a estimular à busca pelos estudos, para que haja uma preparação para a vida significativa em todos os sentidos. A universidade, como a nomenclatura em si, carrega essa ideia de apontar para um universo de coisas. Por isso, a preparação inicial faz com que alunos e alunas de todos os cursos tenham pelo menos dois períodos com disciplinas gerais, que os vão preparar para a vida como um todo.
Hoje, a crise de educação faz com que seja objetivo do “estudo” somente obter aquele papel que qualifica a fazer uma prova, ostentar um título ou se candidatar a um emprego. Deixa de se tornar intenção do estudo aprender, mas obter um título. Com isso, cresce o número de pessoas que pagam por esse papel, contratam profissionais que façam seus trabalhos de fim de curso e outros malabarismos para pegar o diploma.
Passando por essa crise não somente na educação, mas na vontade de aprender, temos o outro aspecto dito antes das “pessoas que se dão bem nesta vida”. Se quem está ganhando (muito!) dinheiro nunca passou por uma universidade, então qual será o nosso argumento para convencermos os jovens de que estudar é importante?
Eu já ouvi, estupefato e pensativo, esse argumento de um jovem: “Se o cara está ganhando tanto dinheiro sem estudar, então, pra que estudar?”. De fato, pra quê?
Lembrei-me do famoso geômetra Euclides. Em uma aula, um aluno lhe perguntou o que ganharia aprendendo o que lhe estava sendo ensinado. Euclides chamou um criado e falou: “Dê-lhe uma moeda, já que precisa ganhar alguma coisa além do que aprende”. Foi seu último dia de aula ali.
Claro, não quero negar que a gente muda a nossa vida por meio do estudo. Minha realidade, de alguém que não vem de pais ricos nem tem imóveis ou herança, me obrigou a apostar na formação para mudar um pouco a minha trajetória. Então, poder ganhar seu sustento com o seu estudo é um objetivo sim. Entretanto, se o objetivo for somente esse, de fato, o estudo vai ficar dispensável, porque tem gente ganhando (muito!) dinheiro sem estudar absolutamente nada… e pior: falando (muita!) besteira!
O problema é que as influências não são somente de pessoas sem formação, sem experiência, sem conhecimento e, mais ainda, com entendimento da vida enviesado, limitado e, até por isso, cheio de preconceito. As influências também vêm de pessoas cheias de más intenções em seus corações. Faz-se o que for preciso para que o lucro chegue, por meio do engajamento, traduzido em curtidas, “laiques nas laives”, compartilhamentos e comentários (não importa se bons ou ruins).
Sabedores disso, nossos jovens já estão dizendo ao perguntarem “o que você vai ser quando crescer”: quero ser “youtuber”, “instagramer”, “influencer”. Além de perdermos talentos em conhecimento e produção, podemos ganhar pessoas que somente vão trazer influências que vêm dos maus.
Sinceramente, eu ainda não sei a solução para isso, mas a forma como valorizamos as coisas ao nosso redor tem sido um problema há muito tempo. Creio que seja um aspecto que careça da nossa atenção por meio de políticas públicas… enquanto ainda é tempo!
Sandro Xavier
Linguista e Teólogo

5 Comentários

  1. MANOEL VICENTE DOS SANTOS NETO

    Perfeito! Excelente texto que nos leva a refletir sobre a temerária influência nos dias de hoje. Os modelos do que é sucesso e o próprio conceito da palavra perderam-se no tempo, ou melhor, mudaram com as novas gerações. Mas a pergunta é: na contemporaneidade, quem são as pessoas que influenciam a sociedade? Deve-se ter cuidado com tal análise, que pode envolver mudança de valores e até a perda de alguns princípios. Como o autor cita: “a bênção do justo faz a cidade progredir, mas a influência dos maus a destrói” (Prov. 11,11) (NBV-P).
    Parabéns ao nobre autor Dr. Sandro pelo texto, vamos refletir e principalmente filtrar melhor as influências de hoje.

  2. Manoel, parceiro de vida, obrigado pela sua reflexão. São tempos que chegam a dar medo ao refletirmos no futuro, não é mesmo?… vamos ter q lidar com isso seriamente, sob risco de perdermos valores importantes e inaugurarmos uma rota de “cada um por si”. Infelizmente.
    Abração.
    SX

    • Os “influencers” sempre existiram. Nada é novo abaixo da linha do Equador. A malignidade e a bondade dos influenciadores são expressoes dos imteresses particulares e coletivo, vinculados ao contexto. Os insurgentes se posicionam. Os manipulados permitem ser manipulados. E assim o povo é marcado… O povo é feliz? Acredito que sim. Qualquer povo. Cada um tem a felicidade que merece.

  3. Nem todos possuem permissão para ganhar dinheiro, os que estão ganhando, são os que se sujeitam e ajudam no controle das mentes. Mesmo que não saibam disso, atuam fortemente na velha política do pão e circo. Em suma, apostar nos estudos ainda é uma ótima opção para grande maioria.

  4. Os “influencers” sempre existiram. Nada é novo abaixo da linha do Equador. A malignidade e a bondade dos influenciadores são expressoes dos interesses particulares e coletivo, vinculados ao contexto. Os insurgentes se posicionam. Os manipulados permitem ser manipulados. E assim o povo é marcado… O povo é feliz? Acredito que sim. Qualquer povo. Cada um tem a felicidade que merece.

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