No tempo da moviola as lembranças eram como os fotogramas do cinema.
Guardavam momentos que jamais irão se repetir. Momentos como aquele
em que há agitação no plateau e nos camarins conspiradores engendram
uma trama. Ou quando são necessários cuidados técnicos com a luz e com
a emoção dos atores. Então, a fita de acetato virgem corria sobre as
engrenagens da câmara e a janela do obturador seccionava o tempo em
inumeráveis instantes de luz.
No cinema é assim, cada instante capturado pela câmera contém uma
minúscula fração do passado. Cada fotograma reúne o conjunto de tudo e
todas as coisas envolvidas com aquele exato momento. Para além da boca
de cena e da tela de projeção, o equilíbrio de uma delicada equação oferece
suporte a essas lembranças, seus ‘mis en scène’, seus enredos e
protagonistas. Transcorridos os momentos únicos em que a ação tem lugar
diante da câmara, os elementos dessa equação se desfazem, desvanecem e
nunca mais irão se repetir.
A própria realidade ao redor será inexoravelmente modificada e nunca mais
retornará ao seu estado anterior – visto o fenômeno estar sendo observado
enquanto ocorre; ou porque alguém de dentro, ou de alguma forma
associado ao fenômeno esteja observando.
Tampouco aqueles que, em alguma medida, se relacionaram com aquilo
que está a se passar na fita saem incólumes de se transubstanciarem e
transcenderem em extravagantes processos alquímicos da fabricação de
fragmentos do tempo estampados na realidade tangível do celuloide.
Uma vez revelado o filme, os quadros impressos no acetato correrão
novamente na grifa do projetor, devolvendo movimento e uma quase vida a
breves flashes da memória, que a seguir se dissolverão no tempo infinito.
Um fato curioso sobre isso é que podemos avançar ou retroceder a fita e
acelerar ou retardar seu movimento, encurtando ou dilatando seus
intervalos fugidios. O que confirma que o futuro é tão somente uma
construção do desejo – resultado da redução do presente à agonia de
eternamente consumir-se em lembranças.
E nisso residia a magia do cinema no tempo da moviola. Quando o filme
terminava nos esquecíamos dele e começávamos a nos concentrar no
próximo. As luzes se apagavam e todos iam embora. Grifas e obturadores
silenciavam e o nitrato de prata poderia repousar intacto sobre a cinta de
acetato na solidão das câmaras escuras, até as luzes se acenderem
novamente.
Porém, se ávidos do passado e de seus comoventes cenários de
indisfarçável papelão pintado voltássemos o filme novamente, poderíamos
reviver por breve tempo todos os efêmeros momentos que o permitiram
acontecer.
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Portal Repórter Brasília, Edgar Lisboa/ Por Valério Azevedo