Entre a vida e o silêncio: um monólogo sobre a morte. (Ana Carla)

Ana Carla/Divulgação

A vida é tão frágil quanto o silêncio, que pode, inesperadamente, ser rompido. Mas, quando a vida — que grita do instante da concepção — se cala, o silêncio, que ecoa, torna-se inquebrável.
Heidegger, filósofo e professor alemão, definia o ser humano como um “ser-para-a-morte” — ou seja, a morte é uma possibilidade inerente à existência, que a acompanha desde o nascimento. De fato, nascemos com data definida para nos despir desta roupa corpórea — vestimenta de nossas almas. O silêncio da vida é o prenúncio da morte —física — considerando que o espírito não cessa quando se separa do corpo. Esse “silêncio” é um evento biológico, inadiável e irreversível, para o qual seguimos nus, despreparados, imaturos — afinal, a ponte entre a vida e a morte é desconhecida. Penso que, certamente, o caminho de um ponto a outro é o que, de fato, nos assusta, devido a sua escuridão, ao seu mistério e a sua característica inédita e definitiva.
Na infância, a morte é uma ideia distante — quando não, inexistente. Pelo menos para mim, foi assim. A consciência da finitude humana só veio durante a adolescência, quando perdi uma das minhas melhores amigas, que faleceu aos 15 anos. A partir de então, passei a enxergar a morte com um temor constante. Vi-me reflexiva em várias madrugadas insones. Inquietava-me pensar que eu poderia simplesmente deixar de existir. Lembro-me de que, certa vez, li um pensamento filosófico que definia a morte desta forma: deixar de existir.
Pensar tão profundamente sobre essa finitude nos obriga a rever ações, escolhas, crenças e toda nossa trajetória de vida. No meu caso, surgiam algumas perguntas pontuais: qual seria o impacto da minha ausência na vida de quem me ama? E os planos inacabados? E os meus sonhos? E toda a minha projeção de vida, simplesmente desapareceria? Qual o propósito de viver para morrer? Inicialmente, eram pensamentos enraizados na vida terrena que, posteriormente, davam lugar a reflexões sobre a vida espiritual — reflexões que absolviam e condenavam minha própria alma, com base em flashes das minhas condutas ao longo da minha própria existência. E seu eu morresse agora? Estaria minha alma salva ou condenada? Certamente, essa consciência sobre a finitude nos lança em um cenário de dúvidas e incertezas. No entanto, é por meio do conhecimento e aceitação que amadurecemos a compreensão de uma vida finita.
Para Schopenhauer, o medo da morte não era causado devido ao fim da vida, mas sim devido à destruição do nosso organismo. Segundo ele, os seres humanos davam mais atenção ao corpo do que à essência e, por isso, viviam angustiados perante a morte. Ao me deparar com esse pensamento, percebi que havia muita coerência nele. Afinal, quando analiso a palavra “corpo” fora do sentido literal, entendo-a como tudo o que é material — não apenas o corpo físico, mas também objetos, pessoas, títulos, vínculos, planos, entre outros, tudo aquilo que, de certa forma, tenhamos posse. Notei, então, que todas as minhas indagações estavam, a princípio, relacionadas às perdas concretas: me afligia a ideia de — contra minha vontade — abandonar, perder, deixar algo inacabado. Só depois surgiram reflexões relativas à essência e à espiritualidade, reconheço. Essa experiência pessoal corrobora o ponto de vista de Schopenhauer. A partir dela, comecei a ver a morte de uma forma mais íntima e significativa.
Veja bem, pensar no “fim” é sempre complexo. Foram recorrentes os monólogos solitários em que questionei a morte e as dualidades pertinentes ao seu contexto — Bem e Mal, Céu e Inferno, Corpo e Alma, Deus e o Diabo. Sim, como cristã, vi-me nesses monólogos circulares que sempre me levavam para a obviedade da morte como evento inevitável, como ratifica o salmo 89:48: “Que homem há, que viva, e não veja a morte? Livrará ele a sua alma do poder da sepultura?”. Esse salmo, além de evidenciar a brevidade humana, nos faz refletir sobre o estado da nossa confiança em Deus.
Se o pensamento de outrora me afligia e a filosofia apenas ampliava minhas indagações, a fé, por sua vez, ofereceu-me o consolo e a esperança em algo maior do que a existência terrena. Ao ler algumas passagens bíblicas acerca do tema, percebo que Deus, em sua infinita bondade, nos molda e nos conforta para a tão temida morte. Como exemplo, cito Isaías 57:2: “Entrará em paz; descansarão nas suas camas, os que houverem andado na sua retidão”. Um verdadeiro bálsamo para as mentes aflitas e ansiosas, pois aquele que anda conforme a vontade de Deus, terá na morte não um castigo, mas um retorno de paz à casa do Pai.
Diante da minha concepção sobre a morte, das leituras e busca por compreendê-la melhor, tenho tentado colocar em prática a máxima “viva a vida como se não houvesse amanhã”. Embora essa citação não seja bíblica, busco aplicá-la à luz da palavra de Deus, como em Tiago 4:14: “Vocês nem sabem o que acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa.”. A vida é efêmera! Em Mateus 6:34: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal”. A palavra de Deus é como um interruptor de luz: embora seja natural sentir medo e dúvida, ela ilumina nossa percepção sobre a morte, tornando-a mais compreensível. O conhecimento aliado à nossa fé nas Escrituras nos impulsiona a viver com sabedoria e prudência, sem que deixemos de viver com plenitude o agora.
Certamente, a morte para a qual estamos destinados é tão inesperada quanto a morte que nos leva entes queridos. Ainda que a vida tenha suas provações, há um apego profundo em vivê-la. Há, também, apego às pessoas às quais estamos, afetivamente, ligados. Desse modo, nos sentimos proprietários da vida e das pessoas, quando, grosseiramente falando, somos meros usufrutuários de tudo. Nada é nosso, mas vivemos como se tudo fosse. Nossas vaidades excessivas, nosso impulso acumulador, nossa negligência diante do servir ao próximo, nossos egos — maiores do que as portas do paraíso — nossas preocupações frívolas, nosso amor condicional e oportunista, dentre tantas outras ações: tudo isso é prova cabal do nosso despreparo diante da iminência da morte.
É necessário que nos alicercemos seguros em nossa fé, considerando que cada pessoa terá sua ideia e sentimento. Cada cultura estará fundamentada em suas próprias crenças e entendimentos particulares sobre a morte e terá seus próprios rituais e vivências, cada indivíduo com sua consciência e sensibilidade em relação ao nascimento, à vida, à morte e ao pós-morte.
Ainda assim — numa visão generalista e, talvez, ousada — arrisco dizer que a morte é o único evento para o qual nunca estaremos, verdadeiramente, prontos. Talvez você diga estar pronto para a sua partida, mas está preparado para perder alguém que ama? E, diante de nossa vulnerabilidade, onde nos firmaremos? Bem, eu escolho seguir até o meu último instante considerando a Bíblia como o manual imprescindível para a vida em sua totalidade; um farol norteador que ilumina todo o caminho existencial até o evento final de cada ser humano vivente nessa terra. As escrituras, certamente, são o abraço de Deus em forma de lar: acolhedor, seguro e inabalável.
“Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também.”
João 14:1-3.

Ana Carla é escritora e poetiza.

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