A Serenidade, a Coragem e a Sabedoria (Elias Brito Júnior)

Elias Brito Junior/Divulgação

Durante um período da minha vida profissional, eu tive a oportunidade de participar de um programa de atendimento aos empregados da Companhia, que tinham problemas com dependência química pela ingestão de bebidas alcoólicas. A empresa optou por realizá-lo com o apoio da irmandade Alcoólicos Anônimos – AA. Participei como palestrante interno.

Foi uma experiência enriquecedora para todos os envolvidos. Na execução do “Programa 12 passos de AA”, trabalhamos com a “Oração da Serenidade”. Ela é lida no início e ao final de todas as reuniões de Alcoólicos Anônimos e é recitada, pelos recuperandos, ao longo do dia para buscar forças que os ajude a enfrentar as adversidades que sofrem.

A Oração da Serenidade, de provável autoria do teólogo e cientista político norte-americano Reinhold Niebuhr, implora a Deus pedindo serenidade, coragem e sabedoria para conduzir a sua vida. Curta em extensão, na versão condensada, mas profunda na compreensão dos sentimentos humanos, ela sintetiza uma fórmula infalível de autoajuda:

“Concedei-nos, Senhor, a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, Coragem para modificar aquelas que podemos, e Sabedoria para distinguir umas das outras”.

Em sua simplicidade piedosa, a súplica de Niebuhr ressalta uma dificuldade frequente na percepção de nossa autoimagem e na necessária ênfase de adequar a vida ao objetivo fundante do Criador, que é o de nos fazer imagem e semelhança Dele.

O autor ressalta atributos corriqueiros: serenidade, coragem e sabedoria. A serenidade é a capacidade do ser humano de lidar com os desafios da vida, de uma forma pacífica, que traga a paz interior. Já a coragem é a disposição pessoal de enfrentar as situações difíceis e perigosas, buscando alcançar os objetivos pessoais, superando os obstáculos que a vida apresenta. Finalmente, temos a sabedoria, que é a habilidade de tomar as decisões, avaliando as situações com clareza e agir segundo a nossa satisfação pessoal e o bem-estar de quem nos cerca.

A profundidade e a beleza da Oração da Serenidade estão na destinação do seu propósito. Serenidade para quê? A resposta da prece me pareceu muito assertiva: aceitar o que Deus fez, ou permitiu, e que eu não tenho como modificar por moto próprio. Não posso mudar “um côvado ao curso da minha vida”, sobre aquilo que é inamovível. Por mais que eu me esforce, não posso alterar muitas coisas que me incomodam presentemente. Devo desenvolver a serenidade em aceitar o que eu sou, ou tenho, que eu herdei de outrora. Se há algo que eu gostaria de fazê-lo, mas não tenho os meios, só Deus pode realizar, independentemente de minha vontade ou incômodo. Ou seja, devo entregar a Ele o meu desconforto e deixar de sofrer.

Em contrapartida, há muito que eu posso fazer, mas não encontro coragem ou disposição para mudar, pois isto me trará desconforto emocional, físico, afetivo ou espiritual. Mudar o que pode ser mudado é o “negar-se a si mesmo”. É muito difícil, e dolorida, a renúncia do “eu”. Na contracultura do “eu mereço”, abdicar dos prazeres pessoais, das ambições deles decorrentes é um preço muito caro a ser pago. Nos falta a coragem para priorizar o “amor ao próximo” em detrimento de nós mesmos, para nos submeter a fazer a vontade de Deus.

A grande dificuldade do adicto é a ligação emocional com a sua adicção. Ele estabelece esta relação, que se torna uma dependência, que, ao fim e ao cabo, revela uma atitude arrogante diante das pessoas que o cercam e se tornam egocêntricos ante seus próprios prazeres. Mas não são só os dependentes químicos que agem assim. Todos nós temos nossos vícios e prazeres ocultos, que nem a nós mesmos ousamos revelar. Para vencer a nossa natureza pecaminosa, é preciso pedir coragem do céu, para subjugarmos a nós mesmos.

Todas estas considerações são familiares e corriqueiras. Sabemos, intuitivamente, que dentro de nós existem crenças imutáveis por nós mesmos, e outras tantas só podem ser vencidas com muito esforço. Na Oração da Serenidade, o que mais me sensibilizou foi o pedido por sabedoria. Niebuhr apela por sabedoria para distinguir uma das outras, o que não pode e o que deve ser mudado.

Pode parecer óbvio, ao examinarmos o nosso coração, distinguir o que eu posso ou não posso mudar, mas de maneira geral não é assim. Como diz a nossa encanecida, mas sempre atual, Bíblia: “Quem pode entender o coração humano? Não há nada que engane tanto como ele; está doente demais para ser curado” (Jeremias 17. 9).

A sabedoria humana nos ensina, desde a mais tenra idade, mecanismos que nos levam ao autoengano, para nos proteger da dor de ter que abdicar de prazeres ou confortos emocionais, docemente guardados. Mexer com eles dói muito. A grande dificuldade dos terapeutas é convencer o sofredor de que a cura de suas dores está dentro dele mesmo. Culpamos os pais, a família, a cultura, a igreja e tudo o mais que sirva como muleta para nos trazer algum conforto de alma, momentaneamente.

A mudança é algo que sempre nos incomoda. Há um certo paradoxo neste sentimento: queremos nos aperfeiçoar, melhorar, mas quando vem o ensejo da mudança, quando precisamos mexer com as coisas que nos são muito caras, escondidas, aí aparecem as nossas resistências interiores que nos bloqueiam. Para nos tornar seres humanos segundo o coração de Deus, é preciso ter serenidade, coragem e, principalmente, sabedoria do alto.

Ao concluir esta reflexão, gostaria de transcrever a Oração da Serenidade, em sua versão mais completa, que espero que traga mais luz ao ensino de Reinhold Niebuhr:

“Senhor, concede-me a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso, e sabedoria para distinguir umas das outras. Vivendo um dia de cada vez, desfrutando de um momento de cada vez. Recebendo as dificuldades como um caminho para a paz e, como Jesus, aceitando as circunstâncias do mundo como realmente são, e não como gostaria que fossem. Confiando que o Senhor fará tudo se eu me entregar à Sua vontade, para que eu possa ser razoavelmente feliz nesta vida e infinitamente feliz ao seu lado na eternidade. Amém.”

Elias Brito Júnior é mestre em Teologia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *