A Fé para quem tem fé (Luiz Nolasco de Rezende Junior)

Luiz Nolasco de Rezende Junior/Divulgação

Em 1992, o ator Steve Martin, hoje com quase 80 anos de idade, atuou na comédia Leap of Faith (Salto de Fé), filme que recebeu no Brasil o seguinte título: Fé demais não cheira bem. Esta sátira narra um reverendo estadunidense que viajava de cidade em cidade vendendo falsos milagres em troca de doações. Contudo, o que o reverendo não esperava foi de presenciar um milagre verdadeiro. Confesso que o título original faz mais sentido à temática do filme, pois de forma inesperada, em meio a tantos falsos milagres, por um legítimo salto de fé de uma criança, um milagre acontece e emociona a quem está assistindo a comédia.

Tenho em mente que essa ficção cinematográfica deixa no ar a seguinte questão: milagres acontecem por meio da fé? Afinal, se milagres não ocorressem, por que a humanidade do século XXI, com todo o avanço tecnológico continua a fazer essa pergunta, sendo incapaz de explicar algumas circunstâncias e fatos que são creditados como milagres? Além disso, não são poucos os pensadores e cientistas que reconhecem a legitimidade da fé e de seu alcance até nós, ou seja, a ocorrência de milagres por meio da fé. Como teólogo e cientista social, também me identifico com essa ideia de que a fé é capaz de ir muito além da nossa compreensão.
Para mim, a Bíblia é a principal fonte de fé para humanidade, com ensinos e descrições de manifestação de sinais provenientes da fé, mas respeito e compreendo quem pensa de forma divergente de mim. Dentre os registros bíblicos, há uma descrição de um diálogo entre Jesus e seus discípulos a respeito do alcance da fé que nos impressiona:
“Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: ‘Levante-se e atire-se no mar’, e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, assim lhe será feito. Portanto, eu lhes digo: tudo o que vocês pedirem em oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá. E quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial lhes perdoe os seus pecados. Mas se vocês não perdoarem, também o seu Pai que está no céu não perdoará os seus pecados” (Marcos 11.23-26).
Perceba que as palavras de Jesus não se assemelham a uma parábola, a uma história para ilustrar ou explicar alguma verdade da fé. Foi uma resposta direta: “se tiveres fé,… ordenará a esse monte e ele se lançará ao mar”. Tal fé seria possível? Seria possível um ato de fé fazer acontecer algo inimaginável? Eu creio que sim, senão, que sentido teriam tais palavras de Jesus?
Observando a Bíblia como um todo, pode-se admitir que a ideia de fé apresentada por Jesus vai muito além de um devaneio metafísico. É fruto de uma vivência, de uma relação, de uma interação profunda com o Sagrado, com o Divino, a partir de uma fonte de revelação legítima e que interage com o cotidiano, com o dia-a-dia.
Ao fazer uma reflexão sobre essa interação da fé com o sagrado e com o sobrenatural, observei três dimensões de interação da fé que me desafiam. A primeira interação a ser observada é sobre o quanto estamos dispostos a deixar a fé gerar, alcançar e interferir ao que sentimos, nossos sentimentos de fé. No Evangelho de João, em dado momento, Jesus disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra. Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos nele morada. Aquele que não me ama não guarda as minhas palavras” (João 14.23-24). Neste discurso, Jesus mostrou que a fé em suas palavras geraria um sentimento de amor. Um sentimento de amor fruto de uma vivência real e concreta e que resultaria em sentimentos, em sentimentos de fé por quem Ele era e pelo o que Ele fez.
É possível que a resistência de alguns com respeito a fé deva-se à saturação de sentimentos que parecem ser contrários à fé, sentimentos como: rancor, tristeza, decepção, dor, medo, violência, desamor…, que imobilizam qualquer expressão de fé porque não estão identificadas com a mentalidade de Deus, como bem explicou o apóstolo Paulo (Romanos 8.7). Jesus, no texto de Marcos 11, exemplificou que a não disposição em perdoar alguém impede a obtenção de perdão.
Uma segunda interação da fé, além dos sentimentos, é do quanto ela interage com as nossas atitudes. Entenda que atitude não é um comportamento nem mesmo um sentimento. Na psicologia, a atitude é vista como um um construto cognitivo que está entre o que pensamos e o que fazemos, entre os nossos sentimentos e nossos comportamentos. A atitude seria uma predisposição a algum comportamento. Assim, além de sentimentos de fé, também carecemos de atitudes de fé, que nada mais é do que ter uma predisposição a tentar ao máximo se assemelhar com as atitudes demonstradas por Jesus.
Quando leio a carta de Tiago capítulo 1, verso 14 e 15, essa predisposição pode tanto sugerir a obediência a desobediência a Deus. O texto diz o seguinte: “Cada um, porém, é tentado pela própria cobiça, sendo por esta arrastado e seduzido. Então a cobiça, tendo engravidado, dá à luz o pecado; e o pecado, após ter-se consumado, gera a morte.” Da mesma maneira que uma atitude pode engravidar um ato de desobediência a Deus, também pode engravidar comportamentos identificados com a mensagem de Cristo.
Uma terceira interação que a fé precisa produzir em nós são comportamentos de fé. Comportamento de fé nada mais é do que uma fé concreta. Uma fé que resulta em ações visíveis. Infelizmente, por vezes, não vivenciamos comportamentos de fé porque não gostamos muito de avaliar nossos comportamentos sob o prumo da fé.
Ou seja, o que podemos sugerir sobre a dinâmica da fé com o sobrenatural feita por Jesus a seus discípulos estaria ligada a nossos sentimentos, atitudes e comportamentos de fé. Por exemplo, a fé deve gerar o sentimento de amor, uma atitude de amar e um comportamento de amor. A mesma dinâmica deve ser observada quanto ao seu alcance em relação a perdão, a perseverança, a intrepidez, a misericórdia, etc.
Por fim, vale observar que comportamentos de fé também estão intimamente ligados a uma vida devotada, de oração, que resulta muito mais a um relacionamento espiritual do que a realização de desejos e necessidades. Talvez, aqui esteja o grande problema para não vermos com mais frequências grandes manifestações de milagres em função da fé, afinal, também está escrito: “E, quando pedem, não recebem, pois seus motivos são errados; pedem apenas o que lhes dará prazer” (Tiago 4.3).
Luiz Nolasco de Rezende Júnior é teólogo, Mestre e Doutor em Educação.

Um Comentário

  1. Alexandre Santos Lobão

    Perfeito, como sempre. Obrigado!!

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