Fui, há algum tempo, instado (por mim mesmo) a falar sobre a “estratégia de desumanização”, que está sendo utilizada bastante nessas verdadeiras batalhas que estão em voga atualmente, mais especificamente em territórios religiosos e políticos.
Mas o que é, então, uma “estratégia de desumanização”? Respondo logo aqui neste início, para caminharmos juntos em construção de pensamento. Trata-se de um recurso até importante e necessário para uma situação que pode deixar qualquer ser humano (dotado, digamos, de humanidade) sistematicamente desajustado, quero dizer, louco mesmo.
Daí devemos nos lembrar que essa estratégia é um artifício utilizado para “auxiliar” (veja só!) os combatentes em momentos de guerra. Mas como? Respondo também: um ser humano que foi envolvido em uma guerra (sim, a escolha da locução verbal – “foi envolvido” – não é à toa. Afinal, no mais das vezes, alguém vai à guerra não por decisão sua própria, mas líderes os enfiam lá. Também no mais das vezes, eles mesmos não vão à linha de frente) haverá de confrontar situações terríveis, como morte, tortura, mutilações, agonia e sofrimentos inimagináveis para quem nunca esteve em situação parecida. Isso mexe, evidentemente, com a sanidade mental de qualquer pessoa dotada de um mínimo de humanidade.
Ocorre que a “estratégia de desumanização” mostra que aquele seu “inimigo” está eivado de adjetivos (sim! Adjetivos) que o transformam em um ser tão abjeto que pode ser agredido, violentado (não só com palavras, mas com atos mesmo, ou seja, agressão física), humilhado, torturado e até morto. Isso tudo pode ser feito com muita legitimidade e até um orgulho, por estar sendo feito o que é certo para a nação (no campo da guerra), para os ideais corretos (no campo político) ou para a “vontade de Deus” (no campo religioso).
Nesse sentido, algumas palavras são lançadas nos momentos de embates para que você fique ligado que a pessoa que apresentou alguma ideia é sua “inimiga” e não somente merece ter seu argumento desprezado, mas é imperativo que ela seja combatida, confrontada e, evidentemente, eliminada. No campo religioso é muito pior isso, porque tal atitude deve ser tomada por se caracterizar como “a vontade de Deus”. Se você não a cumpre, está deixando de atender ao chamado do Criador. Grave isso. Muitíssimo grave!
Termos como “nazista”, “comunista”, “esquerdista”, “de direita”, “abortista”, e tantos outros, são utilizados, a torto e a direito, para (des)qualificar alguém ou um argumento. Com isso, as pessoas que são antagônicas a quem se qualifica com esses adjetivos deixarão de pensar no que se falou e vão, doravante, estigmatizar o interlocutor, dando-lhe o desprezo, o combate e a aniquilação devidos.
Sinceramente, no tocante à “estratégia de desumanização” para o campo de guerra, confesso a vocês que entendo. Já fui militar, mesmo sem participar de qualquer guerra de verdade, posso compreender que matar alguém sem dó nem piedade só é possível se vê-lo como um não humano ou ameaça a tudo que considero humano.
No campo da política, também é possível entender isso (tirando o fato da morte física mesmo), já que é necessário que o antagonista (já nem quero dizer mais inimigo) precisa ser exterminado da batalha por votos e por conquista do pleito eletivo que está em questão. Muitas vezes, depois de passada a eleição, os antagonistas se uniam para seguir adiante na sociedade juntos. Hoje, a estratégia de desumanização é tão grave que se seguem, após o pleito, as ameaças e ataques desumanos, infelizmente, chegando ao assassínio muitas vezes.
Esse fato tornou-se mais grave pela inserção no campo da política do viés religioso. Para muitos, o embate político mesclou-se com uma pretensa missão de fazer a “vontade de Deus”. Que perigo horroroso estamos vivendo! Isso porque, muitas vezes, aquele que está do seu lado usando dessa estratégia, certamente, pode fazer o mesmo com você, no momento em que ele considerar que uma ideia sua é contraria ao que ele pensa (ele não, né? O “deus” dele).
Contrariamente ao que nos ensina a estratégia de desumanização, nós, que professamos a fé cristã (e peço vênia aos leitores e às leitoras deste breve texto para falar de como creio), não temos a permissão do nosso Senhor Jesus Cristo para utilizar essa estratégia que é, evidentemente, anticristã.
Antes de falar sobre isso, quero reconhecer que, como nação, temos nossos militares que são treinados para defender a pátria e até os que são habilitados para defesa ostensiva dentro da nossa própria sociedade. Essa é outra parte. Um trabalho especializado e diferente… e necessário!
Você, irmão e irmã, que é um aprendiz da maneira de viver fraternalmente com aquele que divide a família, a vizinhança, a sociedade e o mundo com o outro, é convidado a fazer um movimento contrário ao de separar e desumanizar o diferente. Deus, sim, ele mesmo, em vez de nos desumanizar e se colocar mais apartado de nós, fez o movimento contrário: em Jesus ele veio viver com a gente e como a gente. Fez-se como um de nós.
A vinda de Jesus é uma forma de dizer que precisamos nos aproximar do outro para entender por que ele pensa desse jeito, para oferecer uma oportunidade de compreensão e de perdão, quando for o caso. É diferente, bem diferente, de uma guerra. Mas transformar nossas diferenças de pensamento e de jeito de viver em guerra é algo tão cruel e desumano que não deveria, sob nenhuma hipótese, ser estratégia para quem foi compreendido e perdoado por Jesus.
Devemos, sim, aprender com Jesus Cristo. Lançar mão de estratégia de guerra é para outras pessoas, não para aqueles que são discípulos do “Príncipe da Paz”. Por isso eu disse que entendo outros usando isso, mas quando cristãos e cristãs o fazem, fico, deveras, escandalizado e consciente de que precisamos evangelizar, ainda, muita gente que se diz “cristã”.
Senão, vejamos o que diz nosso Mestre: “Eu lhes deixo um presente, a minha plena paz. E essa paz que eu lhes dou é um presente que o mundo não pode dar.” (João 14.27). Aqueles que têm ouvidos para ouvir, que ouçam. Aqueles que querem a paz não se preparam para a guerra, mas para o que querem: a paz!
Sandro Xavier
Linguista e Teólogo
(*) Para quem estiver interessado em ler o artigo “A estratégia de desumanização”, o link pode ser acessado na minha página pelo endereço a seguir: https://coletivobereia.com.br/ a-estrategia-de-desumanizacao/ .
Parabéns ao Teólogo e Linguista Sandro Xavier por sua defesa, em favor do Amor, da Paz e do Humanismo fraternal!
Meu caro Sandro, que baita reflexão! Seu pensamento expõe as agruras do ser (des) humano que tem em mente expor, ridicularizar, diminuir um outro (des) humano, que tão ignorante e soberbo que é pensa em somente (também) excretar o outro em praça pública. Mostra o quanto nos falta ainda entender o verdadeiro e profundo propósito de Cristo nas relações humanas, o quão distantes estamos de acertar esse alvo. Não é atoa que fujo de embates antagônicos eivados de vaidades e “certezas plenas”. Tem um caminho bonito ai a percorrer, como desafio: saber ouvir mais do que falar, atender o princípio paulino de “considerar o outro superior à você (duríssima e rejeitável missão para muitos, inclusive líderes dos “da fé”. Grato pela reflexão urgente pra todos, quanto mais pra Igreja brasileira que se diz “do Senhor”. Paz!
Obrigado a vocês, Marta e Sérgio… pessoas diletas e de delicadeza ímpar.
Abraços!
sx