Segurança Pública em Disputa: Um relatório que não agrada a ninguém

Para tentar agradar, pelo menos, parte dos parlamentares e do governo, o relator Guilherme Derrite deve apresentar uma quinta proposta.

A segurança pública voltou ao centro das tensões políticas em Brasília. O relator Guilherme Derrite apresentou quatro versões do projeto — e mesmo assim governo e oposição rejeitaram integralmente o texto. No Congresso, já é consenso que uma quinta versão deve surgir antes da votação marcada para a próxima terça-feira (18).
O motivo é simples: cada grupo tenta puxar o texto para seu campo de interesse. O governo não quer abrir mão de instrumentos de controle federais; a oposição busca ampliar o endurecimento penal; governadores pressionam por autonomia e mais recursos. O resultado é um relatório que sofre contestação de todos os lados.

A preocupação estratégica do governo

A insatisfação do governo Lula vai além do conteúdo jurídico: envolve impacto eleitoral, especialmente após pesquisas recentes mostrarem uma pequena redução da vantagem do presidente sobre adversários.

Lula tem reunido ministros para tratar do tema e tenta evitar que a narrativa de fragilidade na segurança ganhe força em 2025. Entre as preocupações centrais do governo:

  • Redistribuição dos fundos de segurança
    Derrite altera a forma como os recursos chegam à Polícia Federal. Ele privilegia o Fundo de Aparelhamento da PF, mas, segundo interlocutores do próprio setor, a PF recebe mais  e com mais estabilidade do Fundo Nacional Antidrogas e do Fundo Nacional de Segurança Pública.
    Na prática, o governo teme perda de receita e autonomia financeira da PF.
  • Sobreposição de leis
    O relatório cria uma lei autônoma que ignora normas já existentes. Para governistas, isso abre brechas jurídicas que podem ser exploradas por organizações criminosas, gerando prescrição de processos ou anulando etapas de investigação.
  • Risco de judicialização no STF
    A criação e modificação de fundos está prevista na Constituição. O governo avalia que Derrite tenta fazer isso por lei ordinária, o que pode ser inconstitucional.
    Governistas afirmam que o texto, se aprovado, cairá no Supremo, atrasando a implantação e gerando insegurança jurídica em pleno ano eleitoral.

 Oposição dividida: PL radicaliza, governadores pedem pragmatismo

A oposição também está longe de um consenso. Dois polos se formam:

Ala bolsonarista (PL)

  • Quer endurecimento máximo, incluindo:
    • classificação ampliada para crimes de terrorismo,
    • penas mais altas,
    • interpretação mais rígida do crime organizado.
  • Pretende insistir nessas teses até a votação, mesmo sem acordo com o governo ou com governadores.

Ala dos governadores de direita (Caiado e Tarcísio)

  • Defende um texto duro, porém viável e juridicamente seguro.
  • Pede:
    • fim da audiência de custódia para reincidentes,
    • ajustes nas competências dos entes federativos,
    • proteção para que o projeto não seja barrado no Senado nem derrubado pelo STF.

Para esse grupo, de nada adianta aprovar um projeto “combativo” se ele for judicialmente frágil e morrer na revisão do Senado ou em ações no Supremo.

Motivo do adiamento: evitar um desastre político e jurídico

A votação foi adiada para terça-feira (18) porque:

  1. Ninguém quer correr o risco de derrota no plenário.
  2. A oposição pediu tempo para tentar alinhar um texto que não divida seu próprio campo.
  3. O governo teme judicialização e quer ajustes para reduzir danos eleitorais.
  4. Os governadores pressionam por um texto de consenso, para evitar paralisia no STF.

A avaliação geral é que, se não houver acordo, o projeto pode parar:

  • no STF, por vício constitucional,
  • ou no Senado, que costuma barrar textos muito ideologizados vindos da Câmara.

 O grande problema: falta de direção unificada

O maior desafio não é apenas técnico, mas político:
não há acordo sobre o diagnóstico da segurança pública, muito menos sobre o remédio.

  • O governo teme abrir mão de coordenação federal.
  • A oposição radical quer ampliar punições sem ajuste jurídico.
  • Governadores pedem autonomia, dinheiro e blindagem jurídica.
  • As forças policiais reclamam da redistribuição de fundos.
  • Juristas alertam para riscos de conflito entre leis novas e antigas.

O resultado é um debate fragmentado, com cinco versões de relatório e nenhuma solução madura à vista.

Intensa negociação

Até terça-feira haverá uma intensa negociação. O desafio é encontrar um texto que:

  • endureça o combate ao crime organizado,
  • não desmonte fundos da PF,
  • não crie brechas legais,
  • não seja derrubado no Supremo,
  • não seja travado pelo Senado,
  • e ainda seja politicamente palatável para governo e oposição.

A segurança pública, que deveria ser um ponto de união, virou mais um campo de batalha, onde cada movimento é calculado tanto em termos jurídicos quanto eleitorais.

Portal Repórter Brasília, Edgar Lisboa