Entrevista Hamilton Mourão
Por Edgar Lisboa
Vice-presidente da CPI do Crime Organizado, Hamilton Mourão (Foto: Geraldo Magela, Agência Senado)
O senador Hamilton Mourão (Republicanos/RS), vice-presidente da recém-instalada CPI do Crime Organizado, afirmou que a comissão nasce com um objetivo definido: “Ela tem foco, não é daquelas CPIs difusas. Queremos entender por que o Estado perdeu a capacidade de controlar certos territórios e apontar caminhos concretos.” Mourão destaca a liderança técnica do relator Alessandro Vieira (MDB/SE) e reconhece o papel do presidente Fabiano Contarato (PT/ES), que “apesar de ser do PT e o PT tem essa simpatia pelo lado bandido das coisas, lamentavelmente. Mas o Contarato é delegado. Acho que podemos levar a bom termo essa CPI”.
O dilema da lei e o conceito de terrorismo
Para Mourão, classificar facções criminosas como organizações terroristas é um tema delicado: “Elas exercem ações de terror, mas essa definição pode gerar penalidades internacionais e prejudicar a economia do país.” O senador explica que o objetivo das facções é manter o controle territorial. “Um fim político de domínio local”, e defende debate técnico sobre o enquadramento legal. “São mais de 80 facções no país penduradas nessas principais que são oriundas do Rio de Janeiro e de São Paulo”.
Integração das polícias
A integração entre forças policiais, segundo Mourão, “é mais retórica que prática”. Ele afirma que a confiança entre instituições é essencial: “Sem confiança entre as polícias federal, civil e militar, não há cooperação verdadeira.” Para o senador, o compartilhamento de informações é prejudicado pelo medo de vazamentos: “Muitas vezes, as operações fracassam porque informações sigilosas escapam.”
Exército nas fronteiras
Mourão relembra que desde 2004 o Exército tem poder de polícia na faixa de fronteira, mas critica a falta de planejamento permanente: “Precisamos de um plano integrado e contínuo, com monitoramento diuturno. Hoje as ações são esporádicas, não há presença constante.” Ele defende reforço logístico e rodízio de tropas para sufocar o tráfico nas fronteiras.
Infiltração e corrupção
O senador confirma evidências de infiltração do crime em estruturas públicas: “O ser humano é comprável. A lavagem de dinheiro e o contrabando de armas envolvem policiais federais, militares e civis.” Mourão cita o caso recente de contrabando de dois mil fuzis dos EUA para o Brasil e defende o fortalecimento da contra inteligência interna.
Falta de ação e omissão política
Questionado sobre a omissão de autoridades, Mourão pondera: “É leviano acusar de má-fé, mas há um problema de territorialidade. As facções controlam rotas e populações inteiras.” Ele atribui o agravamento da crise à decisão do STF (DFP das Favelas), que restringiu operações policiais no Rio em 2020, durante a pandemia. “O tráfico se sentiu confortável, expandiu e virou problema nacional e internacional.”
Territorialidade e rotas de suprimento
O senador Hamilton Mourão classifica a situação como complexa porque hoje, “essas facções partiram para aquilo que a gente chama de territorialidade, eles passaram para o território e viver daquele território, viver daquela terra, protegem o que eu chamo da rota de suprimento são as nossas fronteiras, para onde vem a droga que não é produzida aqui no Brasil, ela é produzida nos nossos vizinhos, e entra no Brasil.”
Área de trânsito
Na visão do senador gaúcho, “o Brasil serve não só como mercado consumidor, mas também como área de trânsito para que essa droga expõe para os outros grandes consumidores que são da Europa, dos Estados Unidos, entre outros, É uma conexão das nossas organizações criminosas com a da África, com a da Europa, com o próprio Estados Unidos”, assinala Mourão.
Lavagem de dinheiro
Mourão vê a CPI como oportunidade de investigar o coração financeiro das facções: “O lavador de dinheiro é o mesmo do colarinho branco e da bandidagem do fuzil. Os conjuntos se cruzam. Quando mexermos nisso, vamos pisar em calos dentro da nossa própria Casa.”
Segurança no Rio Grande do Sul
No estado que representa, o senador afirma que “o Rio Grande ainda é mais seguro, mas tem infiltração tanto do Comando Vermelho, Terceiro Comando também com algumas das nossas organizações criminosas existentes lá. Mas o Rio Grande hoje comparado com Rio de Janeiro e os Estados do Nordeste o Rio Grande é um estado que tem um índice de criminalidade bem abaixo”.
Contrabando maior problema
Mourão destaca o contrabando de vinho, de cigarro, “temos o problema de consumo de droga, temos o problema de contrabando de defensivos agrícolas. Então nós temos uma série de problemas, afinal de contas nós temos fronteira com dois países. A Argentina e a fronteira seca com o Uruguai. A vigilância precisa ser permanente.”
Tolerância zero com o crime
A mensagem de Mourão à população é direta: “Tolerância zero. Quem mata, trafica e aterroriza não pode voltar ao convívio social. A sociedade precisa pressionar seus representantes a endurecer as leis.” Para ele, o fenômeno é mundial: “Organizações criminosas ocupam os vácuos deixados por Estados frágeis.”
Operação no Rio e crítica ao governo
Sobre a megaoperação no Rio, Mourão elogia a execução tática: “Foi bem-sucedida, sem vítimas civis.” Mas critica a ausência de continuidade: “Não basta conquistar, tem que manter. O Estado deve permanecer, levar saúde, transporte e segurança.” Ele lamenta a postura do presidente Lula: “Age como populista, não como estadista. Perde a imparcialidade e pensa apenas na eleição.”
Polarização e liderança perdida
Mourão critica a baixa qualidade do debate político: “O Senado ainda é mais equilibrado, mas a Câmara perdeu grandes nomes.” Ele cita o “looping do cachorro correndo atrás do rabo” da política nacional e afirma que o país ainda estar “preso à praga getulista”.
Ceticismo sobre a COP30
Cético quanto ao evento climático em Belém, Mourão dispara: “COP é carta de intenções. Nenhum país rico cumpriu promessas anteriores.” Para ele, o discurso ambiental é usado como retórica política: “O presidente aluga iate a diesel e faz um discurso dizendo que precisamos de 1,3 trilhão de dólares para a agenda verde do mundo”.
Me engana que eu gosto
Na avaliação do senador Hamilton Mourão, “quando você olha a sequência das COPs, o que acontece? Em 2015, disseram que os países ricos iam colocar 50 bilhões de dólares por ano para a transição energética. Aí depois, não, vai ser 100. Depois, 200. Não entrou um centavo disso aqui até hoje, os países ricos não vão botar nada. Então, me engana que eu gosto…”.
Adaptação ao momento
Para Mourão, “o discurso é bonito, e leva a turma que acredita que o mundo está acabando, que vai acabar amanhã, quando na minha visão, as mudanças climáticas fazem parte do ciclo da vida da Terra, nós temos que nos adaptar a esse momento”
CPI deve terminar no final de março
Na previsão do senador Mourão, a CPI deve concluir seu trabalho em março do próximo ano. Segundo o vice-presidente da CPI, “a previsão é de 120 dias, quatro meses, mas considerando que ela foi instalada agora em novembro, matematicamente terminaria em março do ano que vem. Mas como nós temos o período de recesso, esse período vai se interromper, eu estou acreditando que o trabalho termina no final de março ou começo de abril do ano que vem”, prevê Hamilton Mourão.
Visão crítica da segurança
A entrevista com o senador Hamilton Mourão revela uma visão crítica e pragmática sobre segurança pública, fronteiras, corrupção e política. Ele aposta na CPI como oportunidade de expor a ligação entre o crime das favelas e o crime de gabinete. Mas alerta: “Sem liderança, confiança e coragem, o Estado continuará refém dos que o desafiam.”
A Coluna Repórter Brasília é publicada simultaneamente no Jornal do Comercio, o jornal de economia e negócios do Rio Grande do Sul.
Edgar Lisboa