300 Anos: Por um feminismo que não pode esperar (Álerson do Carmo Mendonça)

Álerson do Carmo Mendonça/Divulgação

“O progresso em direção à igualdade de gênero está desaparecendo diante de nossos olhos”, alertou António Guterres, secretário-geral da ONU, em março de 2023.

Segundo estimativas da ONU Mulheres, a igualdade de gênero está a incríveis 300 anos de distância
(https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/onu-estima-que-serao-necessarios-300-anos-para-o-mundo-atingir-a-igualdade-de-genero/ ).

Já o Fórum Econômico Mundial, em seu relatório de 2024, apresenta uma projeção menos pessimista, mas ainda alarmante: 134 anos – o equivalente a cinco gerações além da meta estabelecida para 2030 pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(https://www.weforum.org/publications/global-gender-gap-report-2024/digest/ ).

Diante desses números, surge uma pergunta incômoda: podemos nos dar ao luxo de esperar?

Primeiramente, o feminismo não é um clube exclusivo para mulheres ou pessoas perfeitas e livres de contradições. O machismo, o sexismo e a misoginia, assim como o racismo, são uma herança colonial entranhada na nossa sociedade e, sendo estrutural, todos nós, de uma maneira ou de outra, estamos afetados. O feminismo, em todas as suas vertentes, combate esses males, rumo à uma igualdade de gênero, não formal, mas efetiva, material, de verdade!

Recentemente, fui questionado sobre me considerar feminista, mesmo sendo um homem e ainda carregar comportamentos machistas. Respondi: não importa! O que vale é a atitude, a intenção, o trabalho contínuo por transformar (-se)! Assim, como defende a escritora bell hooks (Gloria Jean Watkins), o feminismo é um movimento “para todo mundo” – não de mulheres contra homens, mas de todas as pessoas contra sistemas de opressão que prejudicam a todos nós.

Em segundo lugar, quando falamos em feminismo, precisamos perguntar: de qual feminismo estamos falando e para quem? De acordo com uma vertente doutrinária, os movimentos feministas ao longo da história podem ser classificados em quatro ondas: a primeira, liderada por mulheres brancas europeias em busca de direitos políticos; a segunda, que lutou contra a subordinação do trabalho doméstico e os direitos reprodutivos; a terceira, que destacou as diferenças entre mulheres, combatendo o preconceito de gênero, raça, classe social e sexualidade; e, finalmente, fala-se em uma quarta onda, com suas vertentes digitais e interseccionais.

Assim, enquanto as mulheres brancas européias do século XIX lutavam pelo direito ao trabalho fora de casa, as mulheres negras afrodescendentes desde sempre já trabalhavam naquelas casas, não lhes fazendo qualquer sentido aquela reivindicação.

Outro exemplo, atual, vem do chamado “feminismo corporativo” que privilegia a paridade de gênero nos altos escalões – um avanço importante, sem dúvida. Mas quantas mulheres realmente podem disputar esses espaços? Uma abordagem verdadeiramente transformadora precisa alcançar a maioria das mulheres, aquelas da classe trabalhadora que enfrentam múltiplas barreiras de opressão.

É isso que propõe o “Feminismo para os 99%”, manifesto lançado em 2019 por Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser. Este movimento defende o acesso de todas as mulheres ao mínimo existencial: moradia digna, saúde pública, educação e salários justos, em uma perspectiva anticapitalista, antirracista e ecológica.

Por fim, é preciso posicionar-se, tomar partido, sair de cima do muro. Ainda vale a célebre frase atribuída a Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

Se a plena igualdade de gênero está mesmo a séculos de distância, não podemos esperar por uma transformação completa para agir. É preciso levantar a bandeira agora, reconhecendo nossas contradições e trabalhando para superá-las. Como imagina bell hooks: “Um mundo onde não há dominação… onde a noção de mutualidade determina nossa interação.”

Afinal, o feminismo não é apenas para quem já chegou lá – é para quem está disposto a fazer a jornada. Deixo então um convite a você, leitor/a, vamos caminhar juntos?

Álerson do Carmo Mendonça é Mestrando em Direitos Humanos (UnB) e Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da BA.